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Entrevista Classic Rage

IMUNES AO TEMPO
"Sensibiliza-me saber que há quem deseje ver a banda de regresso"

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Formação original: (da esquerda para a direita) Paulo Melo, Nelson Neto, Dinis Costa, Sílvio Ferreira e Mário Cabral

O princípio do fim, assim se pode interpretar "Unplugged", disco que há dez anos revelou uns Classic Rage mais em vestes de gala do que no típico cabedal negro do hard'n'heavy. Se em termos musicais este foi um disco marcante para o panorama açoriano, também o sabor agridoce que deixa não faz esquecer aquela que foi uma das bandas que mais galgou as fronteiras da região. Nos dias que correm, com a renovação de gerações, urge imortalizar o seu legado e é nesse contexto que interpelámos o vocalista Sílvio Ferreira para recordar a concepção de um disco que reúne os maiores clássicos da banda micaelense, captados no Teatro Ribeiragrandense em Abril de 2002.

Naquela altura e volvidos dois anos do lançamento de "All Rights Reserved", porquê um álbum acústico? A banda estava bem lançada, mas sentia que era preciso abrir portas a outros públicos?
De facto, volvidos dois anos após o lançamento do "All Rights Reserved", a banda estava a desintegrar-se. Por essa altura haviam saído quase todos os elementos da formação original. Só restavam eu e o Dinis [Costa, guitarrista]. Contudo, ele também estava de saída. Nesse contexto em que todos os elementos fundadores estavam a abandonar o projecto e após muita ponderação, constatei que não estavam reunidas as condições essenciais para lhe dar continuidade. Pessoalmente, achava que não faria sentido dar continuidade ao projecto sozinho. A mística e a alma estavam na soma das partes e não em fragmentos que supostamente se haveriam de construir sem qualquer conexão com a génese dos Classic Rage. O lançamento do álbum acústico está, de certa forma, relacionado com o fim da banda. Foi em tom de despedida a celebração do concerto acústico com a posterior edição do CD ao vivo. Não se tratava de abranger outros públicos, mas sim encerrar aquele capítulo da história musical açoriana com um produto diferente do que já alguma vez havia sido feito nos Açores, bem como ambicioso em termos de desafio.

De quem, concretamente, partiu a ideia de criar um unplugged?
A ideia de criar o conceito unplugged foi minha, do Dinis e do Mário [Cabral, teclista].

Foi logo bem recebida ou teve lugar um debate saudável? 
Sim, a ideia foi bem recebida uma vez que seria o culminar de uma carreira de forma distinta.

O prospecto inicial seria sempre fazer algo em grande com o Tommy Newton ou até poderia ter sido concretizado com outro produtor? No fundo, que vantagens trouxe o alemão a esse trabalho? 
A ideia seria sempre fazer algo em grande porque se tratava, efectivamente, do fecho de uma fase das nossas vidas. Para esse feito, era natural que o nome escolhido fosse o de Tommy Newton, por várias razões - a amizade, a capacidade técnica, o facto de ter gravado o "All Rights Reserved", etc. Por esses motivos e outros, só o Tommy poderia servir de cúmplice a um projecto desta ambição.

Quais foram os critérios para a escolha do alinhamento de "Unplugged"? Sobretudo a forma como os temas poderiam resultar nesse formato ou porque a banda nutria um sentimento especial por esses?
Não houve uma fórmula definida para o alinhamento. A escolha assentou mais nos temas que resultariam melhor no formato definido. Depois trabalhou-se muito a produção dos mesmos com todos os músicos e com o Tommy para que resultassem. Foi, efectivamente, um trabalho de construção e desconstrução muito árduo e intenso de todos os temas. Havia um sentimento especial por todos eles.

Quer recordar-nos os momentos mais marcantes dos ensaios para o espectáculo, a construção da nova roupagem musical, o planeamento com o Tommy Newton e o dia da captação? Enfim, o que guarda com maior entusiasmo daquele período da vossa carreira?
Um dos momentos mais marcantes foi, de facto, juntar tanta gente e pôr a "máquina" a funcionar. Foram muitos meses de ensaios só na produção. Outro momento relevante foi sair da nossa zona de conforto e explorar outros caminhos com todos os elementos que compunham a banda. No total foram doze músicos para coordenar. O trabalho das dinâmicas entre eles foi outro factor marcante. O dia da captacão foi no dia do espectáculo ao vivo. Porém, fizemos no dia anterior um ensaio geral em que testámos todo o processo de captação.

O Tommy Newton disse a dada altura que a banda não assinou com uma editora estrangeira por estar sediada nos Açores. Pensar nisso ainda vos causa alguma mágoa? Até porque essa é uma tendência aparentemente irreversível nos Açores, um sítio que continua a estar muito isolado do mundo...
A banda não assinou com uma editora estrangeira porque não poderia dar as contrapartidas que vigoravam no contrato. Teríamos que estar disponíveis para tocar durante longos períodos. Ora, para tal teríamos que estar ausentes durante muito tempo. Era um cenário que não estava ao alcance de alguns elementos que já tinham compromissos com outra editora - refiro-me à editora da "vida pessoal e profissional". Não é o facto de se viver nos Açores que inviabilizará uma carreira. O busílis é o facto de ter de se estar disponível a 100%. Esse ponto não conseguiríamos cumprir. Não obstante, pessoalmente não sinto qualquer tipo de mágoa por não termos concretizado um contrato no estrangeiro.

Como acha que teria sido o percurso da banda num mundo tecnologicamente desenvolvido como o de hoje, com toda a questão da Internet a proporcionar alguns benefícios (e malefícios) aos artistas?
O percurso da banda num mundo marcadamente tecnológico teria que passar pela readaptação a esse mesmo mundo. Assim como as empresas têm que se adaptar para captar novos públicos teríamos também que ter essa capacidade. Nesse sentido teríamos que transformar as ameaças em oportunidades. São os desafios de um mundo cada vez mais globalizado.

"Não é o facto de se viver nos Açores que inviabilizará uma carreira"

Actualmente o número de músicos a lançar discos cresceu exponencialmente até porque o material de gravação está muito mais acessível. Será esse o motivo que leva as pessoas a olharem para a música cada vez mais como algo fútil e descartável? Até porque a maioria já nem a paga para a ter...
Os avanços tecnológicos permitem, de facto, lançar discos com mais facilidade. Mas isso sempre foi o mais fácil. O mais difícil é vender o produto e, hoje em dia, esse produto deixou de ser físico para ser mais virtual. Vivemos todos num enorme ciberespaço. É um facto que os discos físicos não se vendem como em outros tempos. Porém, hoje a música poderá chegar mais rápido e mais longe aonde um disco nunca chegaria. Consigo colocar um tema em qualquer parte do mundo através da web. Como já referi, temos que transformar as ameaças em oportunidades. O disco hoje funciona mais como a consolidação de uma marca em mercados específicos. Para tal, a marca (banda) já terá de estar fortemente consolidada no seu público.

Como se pode conferir um pouco pelas redes sociais, há quem deseje fortemente um regresso dos Classic Rage. Isso sensibiliza-vos? Acha uma hipótese minimamente plausível?
Se outrora foi difícil dar continuidade aos Classic Rage, hoje é quase impossível. Todavia, sensibiliza-me saber que há quem deseje ver a banda de regresso.

Continua a ouvir metal? Qual o último disco que ouviu dentro do género?
Continuo a ouvir metal, embora com menos frequência. Continuo a ouvir HIM, Ozzy, entre outras coisas. O último disco que comprei foi dos Anathema, uma banda que acompanho desde o seu início. Além do metal tenho feito outras incursões pelo pop, indie e música alternativa.

Por fim, a pergunta é quase inevitável: em que estado acha que está o metal e o rock nos Açores e a qualidade do seu público? Será que se vive o ciclo da música electrónica, dos DJs e das bandas de covers/tributo ou, apesar de tudo, a música original e regional continua a merecer a consideração dos promotores?
Essa última questão dava para mais uma entrevista e muito se poderia dizer quanto a esse assunto. Contudo, acho que o metal nos Açores está num estado de apatia. Falta-lhe também o percursor para um estado menos amorfo, que são os promotores dos eventos que deixaram de existir. Vive-se uma era da música electrónica  mas não é por esse facto que o metal não poderá coabitar com outros géneros. Pergunto-me para onde irá o estado da música feita nos Açores quando vou a um festival e vejo bandas de covers nos cartazes. Penso que só mesmo nos Açores.  As bandas de covers têm o seu espaço certamente - bares e discotecas, não festivais. Ora, termino dizendo que há lugar para todos, mas nem todos cabem no mesmo lugar. E o que não se vê nesses lugares são os promotores que por outros lugares andam, a consumir os recursos da região.

Nuno Costa



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