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Entrevista Kneel

CAOS INTERCELULAR
"Acredito que a música não tem fórmulas pré-concebidas"


Talvez quem o ouvisse nos Kneeldown ou, ainda mais atrás, nos Windscream e Zeus Under My Eyes, ou ainda na Orquestra Municipal de Ponte de Sor, não imaginasse que estaria sentado à bateria uma das pessoas mais determinadas e "teimosas" (como o próprio classifica) do underground nacional. Pedro Mau, aos 33 anos, completa dezasseis anos de carreira. Ainda que o seu percurso seja discreto (pelo menos para o potencial que oferece) assumiu o fim dos Kneeldown como o início de uma nova era e muniu-se de toda a sua avidez pelo conhecimento para criar os Kneel de forma praticamente independente. Apenas Filipe Correia [Concealment] é factor externo neste imaginário dissonante e obscuro, onde cabem fortes influências dos Meshuggah ou A Life Once Lost. Não pretende seguir convenções e muito menos agradar a elites. É precisamente por isso que surge uma estreia "Interstice" pronta a surpreender muita gente.

Começando do "princípio": Pedro Mau é um elemento dos Kneeldown durante cerca de dez anos mas a banda dá-se por extinta em 2008. O que se passou, até porque já tinham conseguido algum reconhecimento?
Aconteceu o mesmo que acontece à maior parte das bandas que encerram actividade: as vidas mudam e os caminhos separam-se. Nunca ninguém dos Kneeldown sobreviveu da música e, como tal, o trabalho e a família acabam por tomar posições prioritárias. Continuamos todos bons amigos e o Nuno Pina [a.k.a. Skumalha, guitarrista] ainda está no activo com os Mordaça e o Duarte continua a tocar a solo.

Partir em busca de um projecto a solo não lhe "repeliu" em primeira instância, pensando que teria que acumular mais trabalho, ou, pelo contrário, pensou que iria trazer-lhe a liberdade criativa que sempre desejou?
Sempre fui um gajo bastante teimoso e foi com essa teimosia que abordei o desafio: se não consigo com os outros, consigo sozinho. A liberdade sempre existiu. Nos Kneeldown nunca “empatámos” a criatividade dos outros elementos. Tínhamos essa liberdade para compor e ajudávamo-nos mutuamente.

Sabe-se também que é, em praticamente todos os aspectos, um "militante" do Do It Yourself. "Interstice" foi um esforço criativo mas também financeiro, como já teve oportunidade de confessar. Depois de todo esse esforço solitário o que deseja que seja o futuro dos Kneel?
O futuro acaba no momento em que acabas de dizer essa palavra… já é passado. Kneel surgiu porque tinha de surgir… mais cedo ou mais tarde. Era algo que tinha de fazer. Não há grandes expectativas para o que aí vem, até porque, sejamos sinceros, o que não falta aí são boas bandas com tudo o que é preciso para fazerem carreira e conseguirem sobreviver apenas da música. Kneel é solitário e aos olhos de um investidor (editora, promotora, etc.) não tem o mesmo valor que uma banda “real”… com músicos prontos a subir a um palco e mostrar o trabalho. Não considero que o esforço tenha sido o mesmo que quando temos de fazer algo de que não gostamos. A palavra “esforço” não se adequa aqui muito bem. Deu-me muito trabalho, isso sim, e gastei muito dinheiro. Mas fi-lo para mim, primeiro que tudo, e nada supera isso. Um dia de cada vez e veremos o que acontece.

Juntar alguns músicos para subir a um palco não passa definitivamente pelos seus objectivos? Não é possível que sinta algo "entalado" na garganta ao fim de um tempo?
É óbvio que existe essa vontade, mas existem demasiadas circunstâncias que dificultam essa concretização. Gostava de tocar Kneel ao vivo um dia, mas isso implicava arranjar músicos que conseguissem dar a dedicação necessária ao projecto. E sem ter a certeza de que essas pessoas o iriam fazer, prefiro ficar como estou. Já são catorze anos a lidar com essas situações de entradas e saídas de membros da banda e já aprendi quando devo ou não apostar em seguir em frente. Além disso, a falta de tempo que o quotidiano me oferece, dificulta ainda mais poder programar um esquema de ensaios regulares para solidificar o projecto. Seria preciso juntar as pessoas certas, na altura certa. Mas… nada é impossível.

Como é que se compõe um disco como "Interstice" sozinho, "fechado" num quarto? Foi assim? Como obtém, por exemplo, aquela confiança sobre algo que esteja a escrever e que lhe permita pensar: "Ok, está óptimo, posso seguir em frente"?
“Interstice” foi composto na totalidade, tirando as gravações de voz que decorreram nos Malware Studios do David Gerónimo dos Concealment, dentro de um mini-estúdio que fui construindo aos poucos numa pequena sala/camarim do auditório do Centro de Artes de Ponte de Sor, de onde sou natural. A Câmara Municipal e a Junta de Freguesia locais sempre me apoiaram e esta preciosa ajuda já dura quase há dez anos. Sem este espaço não conseguia fazer isto. É lá que tenho todo o meu material. Como existe deliberadamente um egoísmo saudável neste projecto, não houve muita preocupação em saber se o tema está bom ou mau para os outros. Queria que estivesse bom para mim, que ouvisse quatro ou cinco vezes e dissesse: “F***-se, isto está bom. Tem power!”.  Acho que a música devia funcionar assim… Quem cria a música tem de fazê-la para se sentir bem com ela, sentir que é genuína. Mas há quem trabalhe de outras maneiras e claro que respeito esses métodos de trabalho, mas eu funciono assim.

Executa todos os instrumentos em "Interstice" mas, no fundo, tanto quanto se lhe reconhece, o seu instrumento "natural" é a bateria. Como adquire conhecimento e se aperfeiçoa em relação a todos os instrumentos que interpreta neste disco?
Não me considero guitarrista nem baixista, mas “arranho” o suficiente para sacar umas notas e uns riffs! O know-how vem atrás dessa teimosia de que tenho falado, porque é preciso ser-se teimoso e persistente nestes caminhos. Aprender a tocar um instrumento requer dedicação e a teimosia é o teu melhor amigo quando queres fazer qualquer coisa. Depois temos essa maravilha da Internet que é o Youtube. Se não sabes fazer alguma coisa, vais lá e pesquisas… de certeza que encontras alguém que te explica como se faz.

Filipe Correia foi uma escolha óbvia para as vozes?
Só não foi mais óbvia porque a ideia inicial era eu fazer também as vozes. Mas “berrar” tem muito que se lhe diga e iria levar demasiado tempo a aperfeiçoar mais esse instrumento que é a voz. Sou fã dos Concealment há muito tempo e tive oportunidade de os conhecer quando fiz a capa do “Leak”. O Filipe tem um grande vozeirão, além de ser um excelente guitarrista e escrever grandes letras, e não foi preciso muito tempo para perceber que seria a pessoa indicada para fazer as vozes para Kneel. Entretanto, já me tinha convidado para formar os Wells Valley. As coisas proporcionaram-se e pronto, não teve outro remédio senão aceitar o meu convite.


Em nota de imprensa lê-se que Kneel não está preocupado com refrões. Como se pode entender a música deste projecto, ainda mais num cenário nacional com algumas tendências mais vincadas que não o metal experimental e mais matemático?
Como já referi, a única preocupação de Kneel era que soasse bem para mim. Tinha de fazer música que me agradasse. Tens essa liberdade quando não tens uma editora a pressionar-te para fazeres um disco num mês e que tem de vender não sei quantas cópias. Acredito que a música não tem fórmulas pré-concebidas e, como tal, não acho que se tenha de seguir uma lógica em que tens de escrever uns refrões, cantados e tocados até à exaustão só para entrar no ouvido. Eu não sou dessa opinião e gosto de ter liberdade para fazer o que me apetecer. A matemática aqui surge, também pelo facto dos Meshuggah serem a minha banda preferida, porque ajuda a fugir àquele esquema do 4/4 que a meu ver torna as coisas aborrecidas e pouco interessantes. Mas volto a dizer: eu trabalho assim, mas tenho todo o respeito por quem não o faz. É só a minha maneira de ver as coisas.

Sente-se de alguma forma desmoralizado, uma vez que não dispõe de ninguém ao seu lado e o mercado nacional, à partida, lhe é adverso?
É normal que sim. Hoje em dia ninguém (ou quase ninguém) compra música. Não é como há uns anos. Todos querem sacar e sacar, e sacar mais um pouco para encherem os leitores de MP3 e os discos com músicas e bandas que nem sequer vão ouvir, pelo menos com atenção. Já ouvi miúdos a dizerem: “Dez euros por um CD? Para quê? Vou à net e saco!”. É esta a mentalidade que temos de encarar. E para quem tem um projecto a solo, que toca música pouco comum, e que não dá concertos ao vivo, é natural que o mercado seja ainda mais restrito e que daí não tenha algum tipo de lucro com o que faço. Comprei o meu material, plugins, fiz a mistura, masterizei, desenhei a capa, paguei a edição dos CDs, as T-shirts e, no final, ainda fiquei a perder dinheiro. Mas é um facto que não me preocupa - não por ser rico, que não sou - mas porque o fiz de livre vontade e porque já tinha noção de que iria ser assim. Claro que era bom ter algum retorno do que gastei, mas paciência!

O que mais o orgulha quando olha para ou ouve "Interstice"? Há algum tema que se destaque ou mereça particular afeição?
O que mais me orgulha é saber que consegui fazer este disco. Levei o meu tempo, mas consegui fazê-lo. Um sentimento de missão cumprida. Quanto aos temas, gosto de todos, mas curiosamente o meu preferido é o menos citado pelas pessoas com quem já falei, que é o último, “Sovereignty”. Talvez por ter a letra que tem… acho que está com muito power. E até tem uma frase do J.F.K. que diz: "This nation was founded by many men of many nations and backgrounds. It was founded on the principle that all men are created equal and that the rights of every man are diminished when the rights of one man are threatened.". Faz-me pensar…

Em termos líricos, há alguma mensagem específica que tente passar ou é tudo muito abstracto e concebido para que cada um faça a sua leitura?
Sou da opinião que uma letra pode ter diferentes significados para várias pessoas. Prefiro não falar muito sobre o significado das letras por dois motivos: primeiro, porque foi o Filipe quem fez a maior parte e, segundo, porque acho que a leitura e a interpretação deve ser individual. Mas de certeza que há por ali coisas com as quais te podes identificar. As letras estão todas no Bandcamp, por isso, podem ir lá "checkar".

Ocupa-se também dos Wells Valley que deverão lançar o seu disco de estreia em breve. Deixo-lhe este espaço para fazer uma breve apresentação da banda.
Os Wells Valley (www.facebook.com/wellsvalley) começaram a partir de um convite do Filipe. Ligou-me a perguntar se estava interessado em tocar bateria e formar esta nova banda, e claro que aceitei. São um trio composto pelo Filipe na guitarra e voz, o Pedro Lopes no baixo e eu nos "batuques". Em Novembro passado gravámos o nosso primeiro álbum, que atrasou por causa das gravações de Kneel, mas neste momento estou a terminar as misturas e contamos lançar o álbum ainda este ano. Aliás, estamos ansiosos que tal aconteça e quanto mais depressa melhor, porque andamos todos com "fome" de palco.

Porquê mais um projecto, desta feita dentro do post-metal? É mera "gulodice" musical ou uma oportunidade de ter uma presença mais assídua em palco, até porque o post-metal tem outro nível de aceitação em Portugal?
Quando toca a coisas que gostamos, a "gulodice" é inevitável. Existem várias razões que justificam o nascer deste novo projecto… mas as principais são o facto de querer tocar ao vivo e poder trabalhar com pessoas como o Filipe e o Pedro. Também acaba por ser uma fuga ao que tenho vindo a fazer em Kneel e estimula a criatividade. É bom poder trabalhar vários estilos de som e manter a menta aberta a novos desafios. Não é por acaso que comecei a tocar bateria na orquestra ligeira de Ponte de Sor.

O futuro mais próximo passará, certamente, pela dedicação aos Wells Valley. E quanto a Kneel? Para quando esperar novo material, renovando desde já os votos de que possa subir a um palco um dia? 
Não vou estar parado, isso posso garantir. Já investi em mais material no entretanto e continuo a investir na formação de mixagem e masterização. Podemos sempre ser melhores do que o que somos actualmente, e o que posso garantir-te é que, enquanto puder, vou fazer isso. Portanto, o mais certo é que assim que terminar o álbum de Wells Valley, vou começar a escrever novamente. Wells Valley será a minha prioridade, mas Kneel irá de certeza continuar e, quem sabe, um dia ainda pisará um palco. E quando isso acontecer… cuidado!

Nuno Costa



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