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Morte ao underground

Com um título destes quase arriscamos o suicídio editorial ou um ataque massivo de haters e fundamentalistas. Contudo, este medo esbate-se quando percebemos que nós próprios fazemos parte do underground. Andar pelo subsolo musical significa, para muitos, a jura eterna à música que tenta combater o "sistema", os endinheirados, os vendidos, os corruptos, os políticos, a religião, entre muitos outros, de forma incondicional e mordaz. Para outros é simplesmente aquela fase de anonimato inicial que todos querem reverter.

Em prol da evolução intelectual e artística, o dinheiro é, infelizmente ou não, tão vital como pão para a boca. Não assumir isso, é ser desonesto consigo próprio. Propalam ainda, mesmo à luz do novo milénio, muitos arautos da boa-vontade, muitos pseudo-puristas que insistem em atacar quem subiu na vida à custa do metal. Sim, isto é algo que custa a engolir a muita gente. Entre muitas outras incoerências, está o facto de muito destes críticos serem eles próprios músicos que perdem muito tempo e dinheiro a gravar discos e a tentar vendê-los! Assumamos desde início, no sentido literal e mais rigoroso, que só não é vendido quem só toca na garagem para o resto da vida. Será que chegaria um ponto em que estes defensores do underground recusariam vender os seus CD's quando se apercebessem que estavam a atingir montantes dignos do mainstream ou de uma rock star?

Devemos reter que a definição de "vendido" implica a rendição a normas editoriais e mercantis que influem na criação artística e pessoal, e não quando um músico tenta explorar outros terrenos musicais sem "sobreaviso". O problema é que isto é algo quase impossível de discernir (pelo menos para quem está por fora do processo), e com isto se tenta inibir a liberdade dos músicos quando bem sabemos que há momentos nas carreiras em que há necessidade de evoluir ou mudar uma forma de expressão. Será que os Iron Maiden, afinal de contas, não se venderam a uma fórmula que já perceberam há muitos anos que é vital para continuarem a facturar milhões? Quem nos garante que não havendo um mercado já não estariam a tocar death metal, black metal ou mesmo pop? Sim, porque uma das coisas que os torna tão respeitados é a presumível lealdade para com a sua essência e fãs. Será assim tão óbvio?

Mesmo considerando que, em momentos fulcrais das carreiras, algumas bandas cedem a algumas exigências em troco de uma maior projecção, existem casos curiosos que nos fazem acreditar que, a longo-prazo, pode tornar-se uma opção inteligente. Senão vejamos: recentemente os Metallica tornaram-se totalmente donos e senhores do seu nariz. Se os mal amados "Load", "Reload" e "St. Anger" parecem uma clara manobra de marketing, digamos hoje que o poder económico que atingiram foi de tal ordem que agora permite a eles próprios "controlarem" o mercado. Acresce até com isso a curiosidade sobre o rumo musical do sucessor de "Death Magnetic". Parece-nos um daqueles casos em que os fins justificaram os meios.

Escusado nisto tudo é acreditar-se que haja quem recuse partilhar a sua música com o máximo de pessoas possível ou quem grave discos e invista fortunas para ter tudo a criar pó na prateleira. Esta é uma realidade inócua que coabita em todos os estratos da nossa sociedade, pelo menos enquanto esta for regida por um sistema monetário. Não se percebe porque este assunto ainda continua a causar tanto incómodo e controvérsia.

Aprendemos a gostar do metal (ou pelo menos assim devia ser) porque nos confere uma sensação de liberdade, nomeadamente de expressão. Tentar que o metal seja isto ou aquilo é também condicionar esta mesma liberdade preciosa. Querer que se toque de forma rudimentar, se grave em condições miseráveis e se mantenha música num circuito familiar, ignorando a evolução, a busca por algo diferente e até as condições tecnológicas ao nosso dispor, é algo descabido e retrógrado. Estamos praticamente certos que muitos músicos dos anos 70 ou 80 que gravaram em condições precárias e ainda estavam em fase muito precoce de desenvolvimento, não gostariam de repetir a experiência e estariam doidos por gravar num grande estúdio, com instrumentos de topo e a saberem tocar como verdadeiros virtuosos. A honestidade é algo pessoal e intransmissível e tudo parte da consciência de cada um e não de terceiros. Se um músico sentir que a determinada altura da sua carreira pode e deve mudar o rumo da sua música, é perfeitamente livre e legítimo e sabe-se que isto não lesa ninguém, quanto muito o próprio músico. Posto isto, ceder aos princípios do underground é e será também sempre uma forma de rendição e submissão a um sistema, e certamente que não é isso que os defensores do underground desejam.

É óbvio e seguro que este assunto não se encerra em meia-dúzia de caracteres. É apenas uma visão indulgente que tenta minorar os efeitos de um conceito que se tem revelado cada vez mais redutor, castrante e datado. Alguém disse (e muito bem) um dia - todos temos o underground como algo sagrado e intocável, mas todos queremos sair dele... 

Nuno Costa

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