photo logopost_zps4920d857.png photo headerteste_zps0e0d15f7.png

Entrevista Ashes

A EXISTÊNCIA VISTA AO ESPELHO
“‘Ecila’ é um ser que não é ninguém mas somos todos nós”

“A única forma de chegar ao impossível, é acreditar que é possível”, célebre frase do conto “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, que poderá ter inspirado o próprio percurso dos tomarenses Ashes. Certo é que esta mítica narrativa serve de base "adúltera" para o álbum de estreia do grupo, focando-se numa personagem fictícia que representa a raça humana e disserta sobre a sua própria existência. Na sua base de sustentação está uma sonoridade suficientemente sólida e abrangente que os coloca num plano de destaque no que toca a jovens promessas no campo do rock/metal alternativo. É por isso (e muito mais) que justificam a seguinte conversa que mantivemos com vários elementos da banda.

Como foram os últimos anos para a banda? Regista-se um tempo considerável entre as edições do vosso EP de estreia homónimo e “Ecila”…
Após o EP de 2007 houve um período normal de divulgação e actuações ao vivo - sensivelmente dois anos. Mas como não gostamos de parar de compor, começámos a pensar no que iríamos fazer para um novo trabalho. Como queríamos algo diferente, houve ali um certo período de experiências e ajustes para depois nos concentrarmos a sério em “Ecila”. Porém, sempre sem deixar de marcar presença em alguns concertos, pois não vivemos sem eles.

Os três anos que implicaram a criação de “Ecila” foram em resultado de um “parto difícil” em termos de composição ou houve algo mais relacionado que possa ter atrasado o seu lançamento, por exemplo em termos “burocráticos”? Isto porque se trata de um período relativamente longo…
Sim, é um pouco longo, de facto, mas sempre tivemos a filosofia de que mais vale ir devagar e tudo sair bem. Reparem que o álbum é bastante complexo e tal exigiu bastante trabalho logo à partida. Se bem que há coisas que fluem naturalmente de tal maneira que parece magia. Há outras em que se chega a pontos de decisão complicados, em que tínhamos de insistir e debater até o resultado ser satisfatório para todos. E, lá está, estamos a falar de seis músicos amadores que vivem em diversos pontos do país, a trabalhar ou estudar, e que nem sempre se podem juntar. E nesta banda as decisões tomam-se sempre em conjunto. Por vezes tínhamos tempos de espera superiores aos que gostaríamos, mas faz parte da luta de um músico de uma banda underground. Não obstante, diríamos que só nas questões burocráticas estão envolvidos metade destes três anos, o que foi bastante mais tempo do que esperávamos. Nas músicas tanto houve “partos difíceis” como secções praticamente de improviso. E ambas as maneiras nos dão imenso prazer. Não diríamos que foi por aí que o álbum demorou tanto a sair.

Neste momento é difícil enquadrarem o vosso som em alguma corrente ou mesmo editora? Por exemplo, tentarem lançar “Ecila” por algum selo ou, hoje em dia, pelas condições do mercado, nem vale muito a pena pensar nisso?
É um pouco, porque nós já não somos rock como éramos antigamente, mas também não somos metal na sua totalidade… acabamos por reunir tantas influências que não seguimos uma corrente definida. Tanto que é um pouco difícil caracterizar o nosso som. Mas, claro, vale a pena pensar nessa possibilidade, se houver interesse de parte a parte é, obviamente, algo a explorar, pelas portas que pode abrir. Infelizmente, não sucedeu ainda, mas nunca é tarde demais.

Daquilo que percepcionam do nosso meio artístico, concretamente o mais rockeiro/metaleiro, como acham que se encontra? Há mais criatividade do que antes, mais profissionalismo, dinâmica, variedade, etc? São fãs de bandas nacionais, por exemplo?
Claro que somos. Das mais conhecidas às mais underground. Se fizéssemos uma lista das bandas nacionais de que gostamos não saíamos daqui. Em relação aos aspectos referidos, penso que, felizmente, se nota um pouco mais de tudo… menos o profissionalismo, talvez. Se bem que, por um lado, há bandas amadoras que sabem investigar e fazer o seu trabalhinho de casa e planear tudo direitinho. Nesta nova era da informação aos magotes espalhada por todo o lado e de algum facilitismo na divulgação de música, verificamos um certo desleixo generalizado em projectos que ainda estão um pouco verdes e causa alguma entropia no meio. Mas o pior mesmo é quando ainda não se nota mais profissionalismo na organização de eventos e ainda acontecem episódios lamentáveis que, após uns anos, já nos é difícil de perceber como e porque continuam a acontecer.

É mais fácil participarem, por exemplo, numa Semana Académica ou num festival de metal? Volto a frisar: há alguma dificuldade em enquadrarem a vossa sonoridade nas características do mercado nacional e na procura dos promotores?
Não restringimos as nossas actuações a nenhum tipo de evento. Se bem que tenham falado em dois eventos bem diferentes, já participámos nos dois e correram ambos muito bem. Felizmente, o público corresponde bem aos nossos concertos, mesmo com o nosso som algo característico. Ou, se calhar, talvez por isso mesmo. E notamos que os promotores também já começam a ter atenção a este facto.

E, já agora, no plano internacional, o que se pode registar até ao momento em termos de “conquistas” e o que está a ser feito nesse sentido, se é que faz parte dos vossos planos?
Faz parte dos planos. Para já, temos alguns fãs lá fora, e bem atentos para nosso grande contentamento. Aliás, a primeira encomenda do “Ecila” veio da Hungria. Mas queremos fazer mais, já começámos a estabelecer alguns contactos e vamos ver o que se sucede nos próximos tempos.

Em termos de composição como funcionam os Ashes? Os próprios apontam uma extensa lista de influências. Como é congregar tudo isto no vosso universo?
Como referimos anteriormente, há tanto partes que surgem de improviso como de muito insistir até sair algo que nos agrade. Outras vezes, algum de nós tem uma ideia e já pensou o que os outros instrumentos podem fazer em conjunto. Outras ainda, temos só uma malha simples de base e trabalhamos à volta dela - por vezes, a base até acaba por desaparecer. Enfim, temos muitas maneiras de compor e, felizmente, todas nos satisfazem. Realmente, ouvimos e tudo e, por vezes, queremos juntar tudo, o que até gera algumas discussões saudáveis. A vantagem de os seis reverem tudo em conjunto é que gera bons filtros de até onde poderemos ir sem perder a nossa identidade, tanto individual, como músicos, como colectivamente, enquanto banda.

Das influências menos óbvias que citam (como o jazz, a música clássica, o psy trance) há alguma relação com a possibilidade de virem a expandir ainda mais o vosso som?
Há sempre a possibilidade, se bem que não estamos a apontar nesse sentido. Mas do futuro, nunca se sabe.

As aproximações vocais do David Pais a Maynard James Keenan causam-lhe mais prazeres ou dissabores? Como é que as pessoas reagem a isso?
Na verdade, nunca trouxe nenhum dissabor, até porque não é algo que preocupe. Por um lado, essas aproximações nunca foram calculadas e, de certa forma, é um elogio tal comparação com um cantor excelente. Entretanto, já surgiram outras comparações, mas é algo que já estamos preparados para enfrentar. No que toca à voz, é muito fácil notar-se certas influências, por mais que se tente trabalhá-la para ser única.

Como podem explicar a inclusão de um violino na vossa música? Não deixa de ser curioso serem “vizinhos” de uma banda como os Quinta do Bill que também apresentavam uma mistura não muito comum em Portugal na altura…
Sim, é curioso, mas é puro acaso. Até porque nós conhecemos os Quinta do Bill do tempo em que ainda nem tinha violino. Era mais a flauta a dar-lhes aquele toque especial que sempre tiveram. Curiosamente, o nosso violonista teve aulas com o primeiro violonista dos Quinta do Bill, o Nuno Flores. Mas, na verdade, quando incorporámos o violino nos Ashes estávamos à procura de um vocalista para substituir o que tinha saído. Como estávamos num período de experiências, pensámos “E porque não?”. Experimentámos e o resultado foi logo prontamente aprovado por todos. Claro que tal veio a influenciar mais tarde o nosso tipo de som. Foi um feliz acaso.

Por falar em Tomar, encontram algumas dificuldades por ser uma cidade pacata, embora relativamente bem situada (sensivelmente ao centro do país)? Isso tem influência na vossa agenda?
Tem um pouco, pois, em regra, os concertos em grandes centros urbanos para bandas como a nossa não são remunerados, o que implica, à partida, despesa considerável sobre a qual não temos retorno. Como tal, ao longo da nossa história, tocámos mais no centro do país. Mas, este ano, estamos decidimos a investir um pouco mais e a tentar divulgar o nosso álbum onde nos for possível.

É incontornável o vosso conceito lírico em “Ecila”. Falem-nos um pouco de como surgiu a ideia de aludir ao universo de “Alice no País das Maravilhas” e de como este se pode relacionar com a própria música ou visão dos elementos da banda.
Quando estávamos a começar a compor novos temas, tanto a melancolia como a ambiência deles tinham alguns pontos em comum, pelo que o nosso vocalista achou que seria curioso tentar torná-los uma peça única através de uma história que pudesse ser explorada em vários temas - como um fio condutor ao longo de um possível álbum que viéssemos a compor. O conceito acabou por surgir através de um tema do nosso primeiro EP - “(Through The Looking) Glass” - que não se inspira no universo de Alice, mas que, de certa forma, lhe pede emprestado o título. Então começámos a imaginar o que seria se fizéssemos uma interpretação diferente da história do Sr. Lewis Carroll... e foi o que fizemos. Os temas novos estavam a ganhar forma, revelando-se um pouco soturnos para a nossa sonoridade, o que inspirou-nos a puxar mais o “envelope” e criar uma história de tentativa de redenção por parte de “Ecila”, um ser que não é ninguém mas somos todos nós, nos momentos mais íntimos e em que reflectimos no sentido da nossa existência. Nunca tínhamos feito algo assim, e foi muito curioso criar música com um conceito assim em mente.

Os Ashes formaram-se há cerca de 15 anos. A forma como as coisas decorreram até aqui coaduna-se com o que tinham planeado ou há alguma desilusão por não terem, por exemplo, consumado mais edições?
Não, tivemos o nosso ritmo. Nós começámos como um grupo de amigos que queria formar uma banda, nem sabemos bem porquê, num estilo solto e desapegado. Ao longo dos anos passámos por diversas mudanças de elementos, o que implica passar por várias fases, algumas paragens e muitas reformulações. Mas tudo isso faz parte para chegar onde estamos actualmente, com o nosso potencial a revelar-se na sua plenitude. Talvez a única desilusão seja não termos pisado mais vezes palcos com maior visibilidade, mas havemos de voltar com maior frequência a estes.

Como serão os próximos meses da banda?
Tocar, tocar, tocar, compor e tocar. E tentar sempre chegar mais além.

Teremos que esperar muito mais tempo para voltar a ouvir um disco dos Ashes? Como olham para o vosso futuro a médio e longo prazo?
Nós nunca paramos de compor (nem quando estávamos a tratar do “Ecila”), mas não temos nenhuma data definida para lançar um novo trabalho. Estamos mais focados em divulgar este trabalho e crescer o mais possível enquanto banda.

Nuno Costa


"É por essas e por outras que “Ecila” é, mais do que um disco interessante, um exemplo importante de como ainda se pode soar inovador sem pretensiosismos ou super-produções." [7.3/10]

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...