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Entrevista Digamma

O GUIA DOS BONS COSTUMES
“Somos uma banda para pessoas que conseguem curtir uma “metalada” e depois dar um pé de dança num reggae”

O processo de gestação foi longo – 12 anos – mas diga-se logo de rajada que valeu a pena. Não serão susceptíveis de “derreter” à primeira qualquer pessoa demasiado agarrada a convenções, mas para aqueles que gostam de desafios e estão fartos de pegar num disco em que lhe tiram a radiografia completa logo ao primeiro tema, a estreia dos algarvios Digamma é algo a não perder. Debaixo de dificuldades acrescidas pela sua descentralização, mostram-se totalmente devotos do seu trabalho e confiantes de que a difícil luta que travam com os moldes rígidos instaurados na indústria musical colherá os seus frutos em breve. E para isso não lhe faltam argumentos, ainda mais quando se tem um frontman cheio de talento como André Cardoso, que se ajeitou para uma conversa.

Creio que é inevitável começar por perguntar: onde estiveram nos últimos dez anos, apesar das demos e do EP lançados? É que se tem a sensação de que não estiveram muito presentes…
É verdade, nestes dez anos fomos uma banda muito intermitente. Antes de tocarmos ao vivo pela primeira vez já tínhamos dois EP’s gravados. Esta inconstância deveu-se ao facto de termos começado do zero algumas vezes, pondo de lado muitas das músicas inicialmente criadas com o objectivo de encontrarmos o nosso caminho a nível musical. A par disso, também tivemos a saída e entrada de elementos, que sempre foi uma situação que nos obrigou a adaptarmo-nos a essas mudanças, tomando, assim, muito do nosso tempo.

Como foi preparar um álbum de estreia tão perfeitinho? Sabiam da importância de abolir os típicos erros de debutante e, por isso, passaram mais tempo em torno da composição, dos detalhes, da produção, ou tudo saiu naturalmente?
Como já temos 12 anos de existência, tivemos tempo para amadurecer. Fomos evoluindo com o passar do tempo, lançámos o nosso EP e reflectimos sobre o mesmo em termos de construção das músicas, sobre como poderíamos estruturar melhor as canções e não perder a nossa audácia em termos criativos, ouvir e voltar a ouvir e chegámos a este produto final. A nível da produção, o nosso guitarrista Miguel Carvalho, da “Dalma Productions”, também evoluiu connosco, tendo gravado todos os nossos trabalhos e outros também de relevância a nível nacional, chegando a um patamar qualitativo que nos agrada bastante.

Ser do Algarve tornou as coisas mais difíceis? Aliás, este é também um álbum sobre “ultrapassar barreiras” o que, eventualmente, se refere ao vosso regionalismo e ao isolamento que lhe possa estar inerente…
Claro que sim. Como deves saber a indústria musical concentra-se, sobretudo, nas grandes cidades - Lisboa e Porto. Todas as zonas fora dessas áreas geográficas sentem muitas dificuldades em promoverem os seus trabalhos, seja por motivos de deslocação ou pelos agentes desta indústria não terem interesse em projectos fora daquelas áreas. Ou seja, é um universo muito restrito reservado a uma elite de projectos e tendências que já estão mais do que lançados, deixando um espaço reduzido a nova música e música proveniente de outros locais. Mas nós cá vamos tentando contrariar essa tendência.

Andar entre o rock, o metal e o pop pode ser um “presente envenenado” ou acham que toda a vossa versatilidade pode abrir-vos mais portas?
Quando fazemos música (perdoem-me o egoísmo) não estamos preocupados com a reacção alheia. Fazemos aquilo que gostamos de ouvir e acho que isso contribui para que sejamos mais imaginativos e isentos na forma de criar. É lógico que nos debruçamos sobre certos aspectos na composição. Como referi antes, temos o nosso background mas ouvindo o produto final, acho que somos uma banda bastante acessível de ouvir. Podemos misturar géneros algo díspares como o rock, metal, funk, soul, etc., mas a forma como os conseguimos juntar não soa muito heterogénea, e é dessa forma que as pessoas nos identificam. Mesclamos os estilos e daí advém a nossa personalidade que, no meu ponto de vista, é reconhecível. Acima de tudo, somos uma banda para pessoas que gostam de ouvir música, que não estão demasiados “agarrados” a um género musical, que conseguem estar a curtir uma “metalada” e depois dar um pé de dança num reggae. É para um público que não é preconceituoso e não tem vergonha de manifestar os seus gostos, e a nível de promoção é por ai que temos de ir.

Que balanço fazem do lançamento de “Guidance” até ao momento? Até já falam de uma ida ao estrangeiro, certo?
Neste momento estamos a tocar e ao mesmo tempo a organizar a tour de lançamento do álbum. Ainda estamos muito no início, mas diria que até agora tem corrido muito bem, as pessoas têm gostado muito do álbum, estamos a ganhar novos fãs e a critica por parte de revistas/blogues/etc., tem sido muito positiva. E sim, temos umas datas no estrangeiro que brevemente serão anunciadas.

Um bom plano de promoção é vital. Esta ida ao estrangeiro faz parte de algo bem engendrado a esse nível? Que mais está a ser planeado em termos promocionais?
Como já referi, estamos a organizar a tour a nível nacional. Temos enviado o nosso trabalho para rádios, editoras, revistas, agentes, um pouco por todo o lado. Enfim, tudo o que esteja ao nosso alcance para promovermos este trabalho. Estão também planeadas várias surpresas, pequenos lançamentos online de extras relacionados com o álbum, e, por fim, um ou dois videoclips de músicas do álbum para 2012.

Da experiência que têm, é mais difícil tocar em Portugal e usufruir de boas condições e remunerações?
É, quando tens um projecto de originais independente, prepara-te para gastar dinheiro, pois muitas vezes isto acontece. Pagamos para tocar, seja pelas deslocações a locais distantes da nossa área de residência, concertos com pouca afluência (cujas receitas das entradas revertem para as bandas), normalmente não há um cachet fixo, temos que alugar equipamentos, etc., e tocar em sítios com más infra-estruturas. Mas pronto, é o que temos. Felizmente, ainda existem casas que dignificam o esforço dos artistas. Nesse aspecto as grandes metrópoles ainda têm muito que aprender com o Algarve, pois temos o caso do Bar Bafo de Baco, em Loulé, que é um exemplo do que se faz de melhor no nosso país nesta área. Têm trazido grandes nomes da cena underground portuguesa, e não só, e oferecem boas condições para quem os visita. Ah, respondem aos emails das bandas…

No plano promocional mantêm-se completamente independentes. É fácil gerir ou acumular mais esta tarefa? Há, por exemplo, alguém na banda com mais vocação para tal?
Tem sido muito complicado porque todos trabalhamos e temos que repartir as tarefas. Cada um faz o seu trabalho: um faz telefonemas, o outro envia emails, o outro trata da parte dos correios… Tem sido um grande trabalho de equipa com muito “jogo de cintura”, pois não temos ninguém completamente disponível para tratar deste assuntos. O tempo é muito reduzido, por isso, muitas das vezes não conseguimos obter os resultados que gostaríamos. Neste mundo temos que ser muito persistentes e saber vender bem o nosso “peixe”. Mas, por enquanto, tem corrido bem, se bem que se tivéssemos alguém designado para tratar desses assuntos, seria bem mais fácil.

Uma das surpresas que rodeia este disco é mesmo o facto de ser editado de forma independente. Apesar do que se falava anteriormente, em relação à “ambiguidade” da vossa sonoridade, a verdade é que este trabalho apresenta-se num nível bastante profissional. Foi falta de gente interessada ou uma opção?
Foi falta de gente interessada. Chegámos a ter uma proposta que foi, no mínimo, surreal! Tínhamos que pagar toda a produção do álbum e só receberíamos 10% dos lucros e a parte de promoção era inexistente. Assim, todos nós podemos ter uma editora… Enviámos o disco para vários sítios, uns disseram que gostavam mas que não poderiam editar o trabalho, outros nem deram resposta. Provavelmente, nem chegaram a ouvir as músicas e como não temos nenhuma pessoa que nos promova, é mais difícil as editoras manifestarem interesse em ouvir o nosso trabalho. Como as coisas se passaram desta forma, decidimos avançar com tudo de uma forma autónoma.

Onde é que sentem mesmo melhor em termos musicais?
Sentimo-nos bem em todos os quadrantes do disco, mas o rock é a nossa “casa”.

Como definiriam o ouvinte nacional? Será que está preparado para uma sonoridade como a dos Digamma ou, normalmente, há alguma dificuldade em compreender sons mais “aventureiros”?
Tens dois tipos de ouvintes nacionais: o mais curioso e criterioso na escolha da sua música, e o que é condicionado pela música mainstream, pelos hypes e pelo que os media oferecem. O nosso tipo de ouvinte encaixa-se mais no primeiro perfil que enumerei e, sim, o público nacional tem dificuldade em compreender músicas que sejam fora dos padrões com que estão familiarizados. Isto porque não há arrojo por parte das editoras/rádios e os media teimam em promover sempre os mesmo projectos.

Cantar em português que importância tem no vosso trabalho? É algo para manter ou que pensam que vos ajuda a marcar a diferença?
Sim, está presente desde o inicio da banda, e cada vez faz mais sentido. Conseguimo-nos expressar bem em inglês, mas o português é a nossa língua materna e os nossos sentimentos e as nossas vivências são testemunhadas em português. Para além disso, temos gostado da sonoridade diferente que encaixa que nem uma luva na nossa música.

Os Digamma estão hoje mais unidos do que antes de lançar “Guidance”? As boas reacções têm-vos feito levar o projecto mais a sério?
Claro que sim! Todo este feedback tem-nos dado uma motivação brutal para continuarmos o nosso caminho mas também o nosso colectivo. Neste momento, temos um grupo coeso, bons músicos e, acima de tudo, amigos para a vida. Já passámos muita coisa nestes anos todos e agora estamos todos no mesmo “barco”. Tivemos a entrada de dois elementos. Esta mudança contribuiu, sem dúvida, para um rejuvenescimento da banda, aumentando a nossa vontade de crescer e de evoluir. Somos uma família que está preparada para levar as nossas ambições a “bom porto”.

Até que ponto há disponibilidade para a banda? A profissionalização seria bem vista ou estão mais mentalizados para levar a banda como um hobby e ir vendo no que dá?
A banda é uma das nossas prioridades, apesar de termos todos a nossa vida. A música é uma paixão muito grande para ser considerada um hobby, mas claro que temos as nossas limitações. Não estamos resignados ao facto de a banda só funcionar nos tempos livres, estamos numa fase de expansão e vamos para onde a música nos levar. Estamos dispostos a todos os sacrifícios em prol deste sonho. Podemos até não ser bem sucedidos, mas vamos tentando. Claro que viver disto é algo que todos almejam, mas nós somos mais pragmáticos nesse aspecto: um passo de cada vez.

O facto deste disco ter sido gravado por um elemento da banda ajuda-vos a poupar dinheiro eventualmente, o que para uma banda ainda jovem pode ser fundamental. Estão completamente satisfeitos com este método de trabalhar?
É menos uma das questões com que temos de nos preocupar e é uma parte bastante importante, não só pela parte financeira, mas também por termos um elemento da banda que nos grava e sabe exactamente como devemos soar. Para além disso, este apresenta nas suas produções, uma qualidade muito boa, como se pode conferir na audição deste álbum. Produzir um disco neste formato permite trabalhar bastante mais a parte da composição e é mais flexível em termos de logística e horários. A banda tem o luxo de refazer as coisas N vezes até todas as músicas do álbum se apresentarem no mesmo patamar de qualidade. Tem um lado negativo - normalmente acaba por demorar mais tempo - mas estamos abertos a outros métodos em trabalhos futuros.

O trabalho de composição da banda é essencialmente colectivo ou há um compositor principal?
Normalmente, as ideias vêm de mim e do Miguel (guitarrista), mas depois toda agente tem um “input” na maturação dessas mesmas. Contudo, diria que é um trabalho colectivo, pois as ideias podem surgir de qualquer um de nós. Não temos uma regra definida neste processo.

Que background ou mesmo instrução/formação musical têm os membros dos Digamma?
Somos praticamente todos autodidactas. Vários de nós tivemos aulas de música, mas nada de estudo aprofundado. A nossa escola foram os discos dos Metallica, Pantera, etc., que fizeram despertar o nosso gosto musical e a vontade de aprender a tocar um instrumento musical.

Na sua opinião, quais são os grandes pontos fortes e também, porque não dizê-lo, fracos deste trabalho? Há alguma coisa que já entendam que têm que mudar ou melhorar num futuro disco?
O ponto forte diria que será a variedade e multiplicidade de sonoridades que oferecemos, fazendo com que este trabalho seja um trabalho estimulante, fácil de ouvir e com muitas surpresas para quem o ouve. Quanto aos aspectos a melhorar, encontramos sempre. Já estamos a pensar em novas músicas, mas sobretudo estamos muito orgulhosos.

Nuno Costa


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