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Para uma nova genealogia do metal

Possivelmente o leitor nunca pensou nisso, mas a ausência de classificação das bandas em géneros e subgéneros musicais geraria o caos no mercado, trazendo inúmeros contratempos aos seus agentes. As editoras veriam agravada a comunicação eficaz dos produtos em catálogo, os jornalistas e críticos de música teriam dificuldades na retratação estilística das bandas, os retalhistas enfrentariam significativos entraves na distribuição dos CD’s nas prateleiras das lojas e os fãs submergiriam num oceano de música desorganizada, impossibilitados de selecionar os géneros que melhor refletem os seus gostos musicais.

A classificação das bandas em géneros e subgéneros revela-se pois determinante para maximizar a eficácia da mensagem transmitida ao mercado e auxiliá-lo nas suas escolhas. Além disso, o aumento exponencial dos subgéneros existentes constitui um amplo desafio intelectual, promocional, cultural e profissional à generalidade dos atores do mercado. Se muitos desses estilos são legítimos, inovadores e justificáveis, outros revelam-se inúteis, abusivos, supérfluos e artificiais, não podendo sequer ser considerados subgéneros (aprofundarei esta realidade mais adiante).

É nesta dualidade entre legitimação e abuso estilístico-conceptuais no âmbito do Som Eterno que reside a problemática central do presente ensaio/artigo de opinião. Através dele proponho-me dar o meu contributo para uma nova classificação genealógica e hierárquica do Metal enquanto género de música. Um contributo mais moderno, atual e, sobretudo, mais correto do que a generalidade daqueles a que temos acesso atualmente.

Um estilo, vários estilos - as múltiplas faces do Metal *
Lembro desde já os mais distraídos que o Metal, embora sendo autónomo e abrangente q.b. em termos musicais, é um subgénero do Rock. Aliás, surgiu inspirado no Rock N’Roll, no Blues, no Blues Rock e no Rock Psicadélico praticados nos anos 60. Grupos e artistas como Jimi Hendrix, Cream, Status Quo, Earth (mais tarde designados Black Sabbath), Blue Cheer, MC5, Mountain, Vanilla Fudge, Yardbirds, The Who, The Kinks, Iron Butterfly, Led Zeppelin, Deep Purple ou Rory Gallagher protagonizaram a fase histórico-musical situada entre meados dos anos 60 e o início da década seguinte, a que atribuirei o epíteto de Pré-Metal, dada a sonoridade praticada, atipicamente rude para a época.

Alguns desses artistas, como os Status Quo, Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath e Rory Gallagher, evoluíram de tal forma que estiveram na génese do Heavy Rock, do Hard Rock e do Heavy Metal (inúmeras vezes confundidos), géneros pioneiros da música pesada e descendentes diretos do Pré-Metal. Sendo estes os estilos-base do Som Eterno, atribuir-lhes-ei a designação Géneros de Primeiro Nível, já que inspiraram a fundação de uma panóplia de subestilos, ou Géneros de Segundo Nível, como o Speed Metal, o Thrash Metal, o Glam Metal, o Black Metal, o Pop Metal, o Power Metal (europeu e norte-americano), o Prog Metal, o Death Metal, o Hard FM, o Grindcore, o Metal Neoclássico, o Goth Metal, o Metal Industrial, o AOR (Adult Oriented Rock, que se ramifica noutros géneros mais ou menos pesados), o Metal Alternativo, o Folk Metal, o Nu Metal ou o Doom Metal, autónomos por direito próprio.

Destes subestilos resultaram os Géneros de Terceiro Nível, como o Black Metal Sinfónico, o Death Metal Progressivo, o Swedish Death Metal, o Brutal Death Metal (pouco destrinçável do Grindcore), o Drone, o Grind / Gore, o Techno Thrash (que nos anos 80 designava bandas cuja estrutura musical se baseava na técnica e no virtuosismo instrumental, em nada se relacionando com a música Techno), o Viking Metal, o Sludge Metal, o Drone Metal, etc. **

A recategorização das nomenclaturas
Mas dada a natural evolução dos géneros, o tempo encarregou-se de impor, nalguns casos, uma justificada recategorização. É o caso do próprio Heavy Metal, que em tempos definiu todo um género mas cedo passou a distinguir um subgénero, hoje conhecido por Heavy Metal clássico, tradicional ou mesmo True Metal. Porém, enquanto estilo-base transversal à generalidade dos subgéneros nele contidos, o Heavy Metal designa-se simplesmente Metal (pronunciado à inglesa, como se a palavra lusa não refletisse o espírito da música).

A alteração de nomenclatura verificou-se igualmente no caso do Death Metal original, extremamente pesado, balançado e cadenciado, com produção crua e guturais extremos, agora conhecido por Old School Death Metal. Ou do Glam Metal norte-americano dos anos 80, com os seus músicos carregados de maquilhagem, roupas efeminadas, cabeleiras espampanantes e trejeitos ridículos, agora justa mas depreciativamente apelidado de Hair Metal (também designado Soft Metal por alguns).

Ou do Doom Metal original, pesadíssimo, arrastado, envolto em guturais assombrosos, incidindo em temáticas obscuras e depressivas, atualmente designado Funeral Doom, reservando-se o epíteto Doom a grupos como os Candlemass ou Solitude Aeturnus. Ou do Heavy Rock típico dos anos 70, sujo, direto, pesado, cru e orgânico, obviamente gravado com equipamento analógico (o único disponível na época), hoje conhecido por Stoner Rock ou Stoner Metal.

Ou ainda do Speed Metal de grupos como os Helloween, hoje adequadamente designado Power Metal europeu. Estas reconfigurações, justificáveis face à evolução musical operada, são comummente aceites pelo mercado, tendo reconfigurado a categorização estilística do Metal.

Não obstante, os Géneros de Fusão, como o Death ‘n’ Roll, o Hard’n’Heavy, o Death / Thrash (conhecido nos anos 80 como Deathrash), o Black / Death Metal, o Black n’Roll, o Deathcore ou o Crossover (fusão Thrash / Hardcore de espírito Punk fundada nos anos 80, agora designada Thrashcore ou, numa vertente mais popular, Metalcore), entre vários outros, foram instalando a confusão estilística.

Os “sacos” estilísticos onde tudo cabe
Para quem desconhece as características distintivas de cada subgénero ou não as relaciona adequadamente, a “subjetividade” da classificação estilística expressa-se de várias formas. Por exemplo, enquanto a generalidade dos fãs (eu incluído) e especialistas inserem corretamente os W.A.S.P., King Diamond, Gwar ou Ozzy Osbourne na “pasta” do Heavy Metal; classificam Alice Copper, Lordi ou Kiss de Hard Rock e atribuem o epíteto de Metal Industrial a Marylin Manson outros colocam-nos indistintamente no “saco” do Shock Rock, reduzindo-os às vertentes estética (fundamentalmente) e lírica. Por essa via, renegam o principal: a música! Porque se verifica tal fenómeno? Porque o Shock Rock incide unicamente sobre o visual e as letras. ***

Abusiva é ainda a inclusão indistinta dos Kiss, Queen, Led Zeppelin, Pink Floyd, Deep Purple, Asia, Supertramp, Scorpions, Metallica, Yes ou Aerosmith, entre muitos outros, no poço sem fundo do chamado Classic Rock, onde tudo cabe, desde o Rock n’Roll até ao Thrash Metal, não esquecendo o Rock Progressivo. Para serem enfiados neste limbo estilístico os grupos devem ter um percurso de várias décadas e um contributo para a história da música que lhes assegure o epíteto de grupos clássicos.

O Extreme Metal constitui outro enorme “saco” para onde tudo se atira indiscriminadamente. Faz sentido inserir nesta categorização o Thrash, o Death, o Funeral Doom, o Grind, o Black e quaisquer outras formas extremas de Metal, sustentadas no peso, na rapidez (ou lentidão) e na brutalidade sonoras, bem como na agressividade lírica. O que vemos na prática é, no entanto, bem diferente.

A ausência de critério chega ao ponto de o conceituado autor britânico Joel McIver incluir nos dois volumes da enciclopédia Extreme Metal grupos como Stratovarius, Exciter, Running Wild, Xentrix, Metallica, Megadeth ou Therion. É verdade que a música extrema não reside meramente na sonoridade praticada, mas de igual forma nas letras. Todavia, em nenhum dos casos suprarreferidos o conteúdo lírico apresenta abordagens extremas, pelo que a inclusão desses grupos na obra é tão absurda quanto bizarra.

“Qualquer coisa Metal” - a vulgarização do Metal enquanto estilo
Mas a tarefa intrinsecamente árdua de classificar musicalmente uma banda revela-se ainda mais hercúlea quando as editoras e os grupos underground forçam a inovação / originalidade, sustentando-se nos paradigmas diametralmente opostos, embora complementares, da ultrassegmentação musical, por um lado; e da hiperabrangência estilística, transversal a vários estilos, por outro.

Arrogam-se desta forma o direito de “fundar”, abusiva, arbitrária e artificialmente o que dizem ser novos subgéneros, com especial incidência no segmento underground. Para muita dessa gente qualquer coisa é Metal, não importa o quê nem se apresenta sustentações teórico-conceptuais e estilísticas válidas. Resultado: um hino à estupidez, uma amálgama de hipotéticos géneros musicais que de tão especializados se dirigem meramente a nano-nichos de mercado. Apregoados como inovadores revelam-se porém inúteis, limitados, absurdos, fechados sobre si próprios. No fundo, isentos de sentido.

Estes “subgéneros”, cujos pressupostos e nomenclaturas ultrapassam qualquer regra de bom senso, ocupam o penúltimo lugar da hierarquia que estabeleci. Designo-os de Não Géneros, que é o que efetivamente são. Por tal, redigirei os seus nomes em minúsculas iniciais e entre aspas, dado não lhes reconhecer validade ou legitimidade artísticas e conceptuais. Com efeito, os limites do ridículo são claramente ultrapassados nos pressupostos que configuram a existência destes pseudogéneros.

Comecemos pelo “oriental metal”, cuja designação é justificada na Wikipédia pelo facto de fundir Heavy Metal com música tradicional do Médio Oriente. Por outro lado, segundo o site Ultimateguitar.com o “circus metal” “incorpora elementos circenses ou carnavalescos na música ou nas performances.” Como exemplo refere os Mr. Bungle, Dog Fashion Disco, Secret Chiefs 3, Vicious Hairy Mary, Headkase e Darth Vegas. Ridículo. O espantoso “ice metal”, definido pelo site MusicBanter.com, supostamente incorpora sons, imagética e temas relacionados com zonas geladas do Mundo, especialmente a Escandinávia. Os Sonata Artica são referidos como exemplo maior do “género”.

Temos ainda o “party metal”, que segundo a Indopedia.org “pode também designar-se Pop Metal [NR: totalmente errado!]”. O “género” apresenta letras que celebram o lado boémio e desregrado da vida, abordando frequentemente temas como o álcool, as drogas, o sexo, o Rock ou Metal. Relacionado com o Hair Metal e com o Hard Rock, tem como exemplos de bandas praticantes os Van Halen, Queen, Twisted Sister, Kiss, Quiet Riot ou até Judas Priest. No que diz respeito ao grupo de Rob Halford o site justifica a sua inclusão no saco do “party metal” meramente por dispor no repertório de temas como «Living After Midnight», «Heading Out To The Highway» ou «Hot Rockin». Uma justificação tão idiota quanto forçada.

Mas as bizarrias parecem não ter fim. O autor da entrada na Wikipédia sobre “nintendocore” (?), ou “NEScore”, prova-o bem, definindo o “género” como algo essencialmente inspirado nas músicas e bandas-sonoras dos jogos de 8-bit da Nintendo Entertainment System (NES). Afirma ainda que o “nintendocore” resulta da junção do Hardcore com sons de teclado análogos às músicas dos antigos jogos. O resultado, asseguro, não podia ser mais ridículo. The Electric Bloodbath ou Hores são alguns dos nomes apontados como executantes de “nintendocore”.

Também o “groove metal” se afigura particularmente bizarro nalguns dos seus pressupostos e exemplos de bandas apresentadas como praticantes do “género”. Segundo a entrada brasileira da Wikipédia dedicada ao conceito, o “groove metal” também pode ser conhecido como Neo-Thrash (este sim, um termo adequado para caracterizar o estilo), caracterizando-se por “batidas lentas” e vocais ‘“funkeados”, incoprorando melodias mais “groove” às melodias do metal”. Vulgar Display of Power (Pantera), La Sexorcisto: Devil Music, Vol. 1 (White Zombie) e Burn My Eyes (Machine Head) são referenciados como precursores do estilo. Mesmo que inseridos no “género” devido a fases musicais específicas das suas carreiras, menos diretas e straight forward, ainda assim os Anthrax, Sepultura, Fear Factory, Exhorder, Lamb of God, Exodus ou Overkill não merecem a associação ao termo “groove metal”.

A lista, infindável, inclui ainda pérolas como “japcore”, “australian war metal”, “synth metal”, “sid metal”, “neue deutsche härte”, “vedic metal”, “dance metal” ou “suicide depressive black metal”.

Por outro lado, a promiscuidade de conceitos que definem um mesmo género musical só vem adensar a ambiguidade instalada. É o exemplo do já referido “groove metal”, que na realidade é Neo-Thrash. Este, por sua vez, é sinónimo de Power Metal americano e vice-versa. Se repescarmos os casos do Shock Rock vs. Hard Rock, Heavy Metal e Industrial; ou da panóplia de géneros indistintamente englobados nos também referidos Extreme Metal e Classic Rock, apercebemo-nos destes sem fim de aberrações fabricadas por uma indústria interesseira e gananciosa, sustentada nas modas.

A era do “pós”
Alguns subgéneros encontram-se inseridos em movimentos concretos, abrangentes q.b. em variedade musical. Por vezes tão abrangentes mas simultaneamente específicos que os géneros musicais emergentes num dado momento impõem aos especialistas e agentes da indústria a sua categorização.

Comecemos pelo forçado termo Pós-Metal – a que atribuirei o epíteto de Metal do Século XXI -, supostamente derivado do Pós-Rock. Segundo a entrada na Wikipédia relativa ao Pós-Metal, o género apresenta raízes no Rock progressivo e industrial, caracterizando-se por usar guitarras distorcidas (se é Metal convém que recorra a distorção, digo eu), atmosferas pesadas, evolução gradual na estrutura sonora e ênfase mínima nas vocalizações. Muitos refugiam-se gratuitamente nesta nomenclatura para distinguir o trabalho dos grupos. Fazem-no por mero facilitismo, tentando exibir uma imagem de eloquência!

Não faltam pois jornalistas que atribuam arbitrariamente a inúmeras bandas a categoria de “pós-qualquer coisa” (todos já lemos esta frase em revistas e sites). Ou seja, os ditos agrupamentos praticam uma sonoridade ainda não totalmente categorizável, mas de uma coisa têm os “especialistas” a certeza: é que é “pós”. “Pós-qualquer coisa” mas pós. Ser “pós” é o que efetivamente interessa. Ser “pós” é cool, está na moda. Sem surpresa, já não falta no Underground metálico toda uma panóplia de subgéneros “pós”, descendentes dos seus homólogos originais. Bem-vindos pois à era do Pós-Hardcore, do Pós-Black Metal, do Pós-Doom, etc. Estará o Pós-Pós-Metal a chegar?

Outra pérola da nomenclatura estilística no som pesado é o Mathcore que, segundo a Wikipédia, também pode designar-se Chaoscore ou Techcore. Tão estúpido quanto imaginativo, não é? O referido site caracteriza Matchcore como “um estilo de Metalcore caótico, experimental, matemático, progressivo e de alto nível técnico”. Os são temas dissonantes, plenos de riffs técnicos “e estruturas complexas”, geralmente com letras indecifráveis. “Músicas tocadas por bandas desse estilo podem variar de meros segundos até mais de 15 minutos e raramente demonstram uma estrutura de versos / refrões convencional.” Tudo isto é correto, mas apesar da precisão técnica destas bandas continuo a achar o termo absolutamente forçado e ridículo, que serve meramente para instalar a confusão. Apesar de tudo, não passa de uma gota de água num oceano de pretensiosismo.
Dico

P.S 1. – Em breve incluirei neste texto a representação gráfica da árvore genealógica do Metal que proponho nesta peça.
P.S. 2 - Conhece bem os subgéneros do Metal? Conhece mesmo? Teste os seus conhecimentos em http://www.sporcle.com/games/archaia/metalsubgenres

* Por motivos de organização e simplicidade não refiro neste texto o Hardcore e seus derivados.

** Poderia ter escolhido para nomenclatura dos vários (sub)estilos algo como Géneros Primários, Secundários e Terciários, mas a sua hierarquização natural e a ideia intrínseca de que quanto mais baixo descemos numa hierarquia menos importantes se tornam os objetos da mesma hierarquia, para evitar que o leitor entendesse o presente texto como discriminatório de alguns estilos (embora não se possa negar a importância de uns poucos em detrimento de vários, como se lê nestas páginas) entendi que seria mais adequado optar pelas designações Géneros de Nível Primário, Secundário e Terciário (na Wikipédia o Metal encontra-se organizado em Géneros Primários e Géneros de Fusão, configurando uma árvore genealógica extremamente limitada. Já a categorização do mesmo site quanto ao Extreme Metal revela-se bastante adequada, organizando este amplo “saco” em Géneros Primários, Subgéneros Primários e Géneros de Fusão).

*** Nesta fase, impõe-se um esclarecimento: ao contrário do que alguns pseudo-especialistas defendem, a New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), a New Wave of Swedish Death Metal (NWOSDM) e a New Wave of American Metal (também conhecida como New Wave of American Heavy Metal - NWOAHM) não constituem subgéneros do som pesado. São, isso sim, movimentos (de Primeiro Nível no caso da NWOBHM, apesar de a mesma se configurar como Segunda Vaga do Metal britânico, e de Segundo Nível nos restantes dois) no âmbito dos quais se formaram grupos dos mais variados subgéneros. Aproveito ainda a oportunidade para fazer um segundo esclarecimento: ao contrário do que muitos especialistas de pacotilha asseguram, os Motörhead não integraram a NWOBHM. São, isso sim, anteriores à mesma, já que se formaram em 1975, tendo o movimento surgido apenas no final dos anos 70.

Texto redigido ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico

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