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Entrevista José Antunes (responsável do projecto Clube de Música / Orff Band)

"O CD com temas de Metal foi o que mais interesse suscitou na Internet"

Durante décadas o ensino de música nas escolas públicas baseou-se em programas curriculares ultrapassados, que obrigavam à leccionação enfadonha da teoria musical e de peças clássicas, renegando os outros géneros musicais. Felizmente, há cada vez mais professores das actividades não lectivas como José Antunes, fã de Metal, que pôs dezenas de crianças a gravar músicas de Rock, Metal e não só. Vamos pois conhecer a Orff Band e o projecto Clube de Música.


Quando e de que forma surgiram os projectos Clube de Música / Orff Band?
O projecto Clube de Música surgiu no final de 2007 na Escola Básica Integrada da Mota, em Celorico de Basto. Surgiu na sequência de uma proposta de ocupação dos tempos não lectivos da escola, dado que toda a população escolar se encontrava nas instalações escolares entre as 8h30 e as 17h30. Estamos a falar de um meio desfavorecido sem rede de transportes públicos. Nessa altura, estava longe de perceber a dimensão do que iria acontecer. Iniciámos o projecto com actividades simples, sem grandes ambições. Durante o primeiro trimestre de 2008 surgiu a ideia de adaptar alguns temas e gravar um CD. Esta ideia revelou-se bastante ambiciosa, pois nenhum dos alunos sabia tocar qualquer instrumento no início do ano. De qualquer forma, e depois de várias horas de trabalho, o resultado superou as expectativas, justificando-se a marcação de algumas apresentações ao vivo, incluindo a primeira na “Praça da Alegria” [NR: programa televisivo da RTP1].

O que é que o inspirou na criação desta ideia?
O ideal que inspirou este conceito foi o Grupo Vocal e Instrumental da EB1,2 de Vila Praia de Âncora, aquando do meu estágio nessa escola no ano lectivo de 2002 / 2003. Desde já o meu especial agradecimento e respeito ao Professor David Martins por me ter mostrado que a Educação Musical pode ser muito diferente daquela que, infelizmente, todos tivemos.

Como reagiram os órgãos executivos e pedagógicos da Escola e os encarregados de educação à apresentação do projecto? Houve receptividade ou verificou-se alguma resistência?
Foi e tem sido muito boa a receptividade de toda a comunidade. Claro que no início houve muito surpresa, mas logo se seguiu o entusiasmo. Um projecto com estas características faz sempre sobressair uma escola.

Como reagiram os alunos à ideia, especialmente no que se refere aos temas de Metal?
Tendo já implementado o projecto em três diferentes escolas – duas delas em simultâneo no ano lectivo que agora encerra -, posso dizer que o inicio é sempre bastante complicado. É muito difícil fazer perceber aos miúdos que só após dezenas ou centenas de horas de trabalho árduo se vêem resultados. Quando tento explicar-lhes as perspectivas futuras a reacção é boa, mas à medida que o trabalho se intensifica torna-se muito complicado manter os níveis de motivação. É nesta fase que se distinguem os que têm vocação dos que a não possuem, levando, naturalmente, a algumas desistências. Mas respondendo concretamente à sua questão, o CD com temas de Metal foi o que mais interesse suscitou na Internet, embora tenha sido o que menos impacto gerou na escola onde foi feito. Os miúdos adoraram o resultado. Fica a promessa de que no futuro sairá outro DVD baseado em temas bem mais extremos. Essa é a nossa ambição. Entretanto sairá um novo CD com temas Funk [NR: este registo foi editado no final de Maio].

Pedagogicamente como decorre o processo de adaptação e ensaio dos temas?
O processo começa sempre com a escolha do tema / género sobre o qual o CD vai incidir. Depois, tenho que rever centenas de temas e encontrar os que melhor poderão enquadrar-se no projecto tendo em conta os recursos humanos [NR: neste caso, alunos] e materiais existentes. O ensaio e a gravação dos temas faz-se sobre instrumentais e partituras provisórias, com muito improviso.

O projecto já gravou vários CD's e DVD's. Qual a origem da ideia para este passo tão ambicioso? De que apoios usufruíram?
Apoios? Isso existe? O financiamento de todos os registos saiu do orçamento pessoal. Rezamos para que no final se venda alguns CDs e o projecto não dê prejuízo. Consegui viabilizar esta ideia dado que trabalho na área de gravação e som ao vivo, possuindo portanto meios técnicos e formação para o efeito.

A intervenção do projecto é basicamente a nível local / regional ou a ambição estende-se a todo o território?
A ambição é sempre grande e, se possível, gostaria que o projecto tivesse dimensão mundial, mas já recebi vários “nãos”. Ninguém quis editar ou distribuir nacionalmente os registos já lançados e muita gente ainda olha de soslaio para o conceito. Resta-nos meia dúzia de amigos que nos ajudam a continuar.

Que projectos se encontram em desenvolvimento?
Neste momento dois: a Orff Band em Celorico de Basto, que inclui bateria, guitarras, baixo, xilofones, coro, flautas, etc; e na EB2,3 de Mosteiro e Cávado, em Braga, com um alinhamento idêntico aos primeiros CDs, mas incidindo no Funk, como já referi.

Que objectivo último visa atingir com este ambicioso projecto?
O meu objectivo é formar ouvintes activos, capazes de apreciar música com algum conhecimento, dotados de poder de escolha face a todo o "lixo" e playlists que inundam a rádio e a televisão. Pretendo formar ouvintes com necessidade de procurar música e que esta lhes traga felicidade. Gostaria muito de um dia os ver nas suas bandas, nos seus projectos e / ou a aplaudir os músicos de valor, a apreciar música de ouvir e não a "música de ver com os olhos". Quanto ao projecto em si não sei o que o futuro reserva. Tentarei vestir a camisola até conseguir, depois veremos.

Que momentos o realizaram mais e aos restantes envolvidos no projecto?
Vou enunciar três momentos. O primeiro foi a participação no programa “Praça da Alegria”. Nada pode descrever a alegria dos miúdos quando lhes disse que íamos à televisão. O segundo momento foi a menção do vídeo do tema «Pull Me Under» pelo Mike Portnoy [NR: então baterista dos Dream Theater] no twitter. Mas o melhor de todos os momentos foi ter concretizado a Orff Band. Talvez nem eu acreditasse que no dia 24 de Maio, três meses após o início do projecto, conseguiria pôr 30 miúdos a tocar bateria, guitarras, baixo, teclados, xilfones, coro, etc. Quando se concretizou nem eu estava bem ciente do resultado. Foi simplesmente fantástico.

Como vê o conceito de música infantil?
A sociedade esquece que todos somos produto das nossas vivências e que quanto mais cedo formos expostos aos mais variados estilos de música melhor poderemos integrá-los na nossa personalidade. Odeio o conceito de "música infantil". Não existe música infantil, existem apenas edições que atrasam o desenvolvimento musical das nossas crianças. Mais grave ainda, esse modelo de negócio visa meramente “empacotar” os mesmos temas em CD ou DVD vezes sem conta.

Dico

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