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Entrevista Heavenwood

DO CÉU AO ABISMO
“Abyss Masterpiece é um estado de espírito”

Uma das mais frutíferas exportações de sempre no plano nacional está de volta. Pouco mais de dois anos depois de quebrar um silêncio discográfico aparentemente irremediável, o grupo de metal gótico natural de Vila Nova de Gaia dá seguimento às excelentes indicações servidas em “Redemption” e apresenta-se, ao contrário do que seria de esperar, particularmente obscuro e sinfónico. Segundo explica o vocalista e guitarrista Ricardo Dias, “Abyss Masterpiece” revela “uma outra face da banda” e talvez só seja compreendido na íntegra junto do ouvinte mais experiente. Estas e outras considerações, por parte de uma banda cujas fronteiras nacionais há muito foram ultrapassadas.

Segundo disco em pouco mais de dois anos. Parece evidente que o projecto está mais sólido do que nunca e não se avizinha nenhum interregno como o que foi registado no início da passada década…
A questão da paragem remete-se ao factor “espera”, e saber esperar é uma virtude. Efectivamente, fomos forçados a parar por questões do foro editorial e pessoal. O contracto que assinámos com a Massacre Records tinha a duração de dez anos, ou seja, de 1996 a 2006. Estávamos desiludidos com a editora, pelos mais variados aspectos, e tentámos o desvínculo, sem sucesso. A única hipótese teria sido a de lançarmos álbuns com outro nome, o que para mim é inconcebível. Por isso, foi simples, quer a decisão de parar, quer a de retomar. De qualquer forma, nunca tivemos parados em termos musicais. Existiram projectos musicais, produções, ou seja, tivemos sempre activos no mundo musical. Actualmente, temos uma editora que trabalha com pés e cabeça, respeitada mundialmente e que tem desenvolvido um trabalho digno para uma banda com quatro discos e reconhecimento internacional. A Recital também fez um excelente trabalho, embora limitado por inúmeros motivos. Mesmo assim, quer a banda, quer a Recital conseguiram exportar um disco nacional pela primeira vez. E quando digo exportar digo-o concretamente, não apenas colocá-lo à venda por mail orders. O caminho é para frente, sem sombra de dúvida!

Apesar do tempo considerável de existência, os Heavenwood parecem continuar a querer explorar outros territórios musicais, ao invés de se acomodarem ao som que os tornou populares nos anos 90. Desta vez estão mais sinfónicos e menos directos…
O “Abyss Masterpiece” é uma experiência, um estado de espírito, uma outra face da banda. Desta vez, decidimos abordar o nosso lado mais negro e recorrer aos serviços do orquestrador russo Dominic Joutsen de forma a podermos expressar, da melhor maneira em termos de texturas musicais, o que escrevemos nas letras ou pretendemos transmitir no plano da emotividade musical. Isto é algo que, nos dias de hoje, perdeu-se nas mais recentes composições das bandas da onda”. No metal a agressividade é uma característica nata, mas não podemos esquecer que os seus grandes “hinos” não são apenas músicas a 200 km/h e de massificadas guitarras cavernosas.

Com o enorme sucesso de “Redemption”, sentiram alguma pressão para compor um novo álbum?
O nosso anterior álbum teve um sucesso relativo. Foi muito bem acolhido e, de facto, ultrapassou as nossas expectativas a nível de vendas. Mas acredito que teria muito mais impacto se, por exemplo, estivesse nas mãos de uma editora como a Listenable Records. Serviu de cartão de “boas-vindas”, tem uma excelente apresentação, a todos os níveis, um grande produtor como o Jens Bogren a misturar e os temas são mais “in your face”, desprovidos de teclados ou ambientes sonoros... somos nós “despidos”. Para o “Abyss Masterpiece” o desafio foi outro, não tivemos qualquer pressão. Aliás, o interesse das editoras surgiu quando souberam que estávamos a fazer a sua pré-produção. Fizemos tudo com calma, lógica e objectividade. Não está perfeito, mas para nós está muito perto disso... mas jamais considerámo-lo uma “masterpiece”! O título do álbum é uma metáfora. É uma pena que não tenha sido compreendido logo à primeira vista por parte de alguns. Aliás, todo o álbum é uma enorme metáfora!

Dada a sua estrutura, este novo disco foi muito mais exigente de compor e gravar?
Se foi... mas soube muito bem, pois revelou-se uma aventura e peras. Trabalhámos cerca de um ano nele, entre muitas etapas de composição, orquestração, pré-produção, gravação, mistura, artwork, etc. Este álbum foi trabalhado de forma a ter grande longevidade, o que não quer dizer que não iremos lançar um álbum novo tão cedo. Quer sim dizer que este álbum tem um determinado “sabor” para quem tiver 25 ou mais anos e outro para quem tiver menos. Estas últimas compreenderão “Abyss Masterpiece” de outra forma daqui a uns anos.

Em termos líricos, inspiram-se ocasionalmente na obra de D. Leonor, Marquesa de Alorna. Como surge essa ideia?
Decidimos ir buscar inspiração à primeira grande poetisa portuguesa, desconhecida para muitos. De facto, foi um enorme prazer descobri-la e, por vezes, ficar apenas pelas tentativas (o espólio dela é muito limitado), o que, por si só, foi uma aventura navegar pelo abismo da sua vida. O séc. XVIII assistiu ao início da emancipação da mulher na sociedade portuguesa e D. Leonor era uma revoltada, crítica e injustiçada. Perante estes e outros factores, mereceu o devido respeito e atenção. Todas as restantes poetisas são de enorme valor, mas para quê mais uns a “bater na mesma tecla”?

A história e factos portugueses são uma boa base para se escrever letras e músicas?
São sim! Todas as bandas nacionais deveriam ter em conta o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro. Trata-se da nossa cultura, das nossas características como povo e, de facto, se queremos destacar-nos perante a restante cena mundial, temos que ser nós próprios. Portugal tem uma forma muito própria de sentir as coisas. Então há que o expressar nas letras e na música.

Acaba por ser uma surpresa não voltarem a trabalhar com o Jens Bogren. Pode explicar porquê?
Consideramos o Kristian Kohler uma solução mais equilibrada, em todos os sentidos, e o resultado está à vista. Misturar um álbum com este perfil não é nada fácil e não queríamos que perdesse o peso das guitarras em detrimento das orquestrações. Apreciamos a metodologia germânica no que respeita ao trabalho. Ficámos muito satisfeitos, quer com o Bogren no “Redemption”, quer com o Kohler no “Abyss Masterpiece”. Quem será o produtor n próximo álbum? Não sei, dependerá do “argumento” do “filme”.

E como acabam por descobrir um orquestrador russo que, apesar de talentoso, até é relativamente novo nessas andanças?
O Dominic Joutsen é formado e trabalha com orquestras russas. Além disso, compõe música para a maior empresa de jogos russa, tendo também já participado noutras aventuras. Mas o importante no final é mesmo isso que dizes: é talentoso! Ambos apreciamos o Danny Elfman e os Dead Can Dance, e foram esses os pontos comuns entre o Joutsen e os Heavenwood, dado que ele nem é apreciador de Heavy Metal. Ao ouvir a pré-produção ele apreciou muito a nossa personalidade musical, bem como o carisma que identificou com o nosso Portugal. A sua participação foi importantíssima neste álbum, bem como remontar ao séc. XVIII e criar um espectro visual negro em seu torno.

No plano das novidades, não podemos deixar de registar o contrato com a Listenable Records. Como surgiu essa oportunidade?
Conforme disse anteriormente, a Listenable Records surgiu, bem como outras editoras, quando soube que estávamos a trabalhar na pré-produção do “Abyss Masterpiece”. Fizemos uma decisão acertada, ponderada, pensada e analisada até ao ínfimo pormenor. Não vivemos de status, por isso, não escolhemos dessa forma. A sua equipa trabalha com paixão, mas com os pés bem assentes na terra. Por isso, é óptimo, falamos na mesma linguagem.

Quais poderão ser as expectativas em termos de projecção neste momento? Desta vez pensa que haverão condições para fazerem uma tournée fora de portas?
O “Abyss Masterpiece” está a ter reviews fantásticas e a ser recebido de “braços abertos” por todo o mundo. Agora aguardamos o seu lançamento no dia três de Maio para o mercado americano, via E1 Entertainment, o que será algo muito importante para os Heavenwood. Este será o ano da afirmação internacional da banda, novamente, a muito custo, é verdade. Mas o facto de sermos portugueses não ajuda nem abona nada a nosso favor pelo que tenho entendido nos emails que trocamos com a imprensa e promotores internacionais. O “Abyss Masterpiece” está à venda fisicamente nas melhores cadeias de lojas de música europeias e o feedback, em termos de vendas, está a ser muito bom, mesmo face aos milhares de torrents e downloads disponíveis na internet.

Sente que os Heavenwood estão a recuperar o estatuto que tinham antes do vosso silêncio prolongado em termos de edições, ou hoje em dia é muito mais complicado aspirar-se a um grande sucesso devido à crise na indústria discográfica e ao sufocante fluxo de lançamentos?
Sinto que temos fãs por todo mundo, uns velhos e agora outros novos. Sinto que a banda demarca-se de outras da mesma onda musical e que marcámos pontos. Sentimos que muitos também ficam admirados por sermos portugueses, mas existe muita procura pelo nome Heavenwood, quer por curiosidade, quer por gosto pela música que fazemos. O “Diva” e o “Swallow” também deixaram marcas em muitos países e a sensação de ter feito discos que ainda hoje são ouvidos e referências é fantástica.

Atendendo à faceta sinfónica de “Abyss Masterpiece”, seria um sonho realizar um espectáculo especial com uma orquestra ao vivo?
Um sonho não digo, pois é possível. Contudo, a logística envolvida e a nossa realidade portuguesa seriam suficientes para o justificar? Quem sabe no futuro… mas não está, para já, nos nossos planos.

Nuno Costa
 
 
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