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Entrevista Nableena

JORNADAS GELADAS

Após a noite de próximo sábado, dia 21 de Junho, os Açores vêm confinado a um hiato de cerca de quatro meses uma das bandas mais proeminentes do seu cenário de peso. Os Nableena, formados em 2003, actuam na referida data, no bar Black Code, em Ponta Delgada, a anteceder e a marcar a partida do seu guitarrista e mentor Petr Labrentsev, por motivos pessoais, por uma temporada, para o seu país natal, a Rússia. Por esta razão, a banda de death metal experimental da ilha de S. Miguel preparou com todos os cuidados o seu próximo espectáculo, que promete um repertório mais extenso, que revisita toda a sua carreira, e a presença de vários convidados [ilustres]. Tentando antever esse momento especial e ao mesmo tempo homenagear um dos projectos mais credíveis da região, a SounD(/)ZonE falou com Petr Labrentsev, um músico apaixonado, multifacetado, viciado em trabalho e muito consciente do mundo que pisa. Uma longa mas envolvente entrevista que fizemos questão de apresentar na íntegra. A não perder!

Como está o seu estado de “saúde” musical? O vínculo a vários projectos tem-lhe posto cabeça a “ferver” para manter tudo a funcionar?
De facto, torna-se complicado sustentar um desempenho máximo, de um modo contínuo, nos diversos projectos em que me encontro, actualmente, envolvido. A “saúde” parece ser suficiente para mantê-los em “boa forma e vigor”, mas já não me posso dar ao luxo de enveredar e explorar mais correntes musicais, o que faria com muito gosto.
Para o bem ou para o mal, tenho de recusar a participação em qualquer outra proposta ou iniciativa, pela simples falta de tempo e a recente exaustão que tenho sentido. Adoraria explorar muitos outros géneros musicais, como por exemplo, o blues, música étnica e mesmo música electrónica, assim como aprender a dominar muitos outros instrumentos musicais. Infelizmente, reconheço que não disponho de tempo, nem de recursos para tal.

O termo workaholic encaixa-se cada vez melhor com a sua maneira de estar na música, concorda? [risos]
Bem, talvez o complemento circunstancial “cada vez melhor” seja dispensável [risos], pois desde os meus primeiros passos na música procurei sempre empenhar-me ao máximo no que faço. É vencer ou morrer [desistir, entenda-se]. É verdade que um grande acréscimo de responsabilidades neste campo tem levado, inevitavelmente, a um trabalho diário quase obrigatório. Tenho noção de que se não fizer determinadas coisas, se não avançar com ideias, se não resolver certos problemas e não tomar certas iniciativas, mais ninguém o fará. Felizmente, tal não acontece em todos os projectos em que estou envolvido, claro, mas há muito tempo que me habituei a ter que “puxar a caravana toda”… No entanto, não me queixo disso e, simultaneamente, não paro de o fazer, não só porque simplesmente adoro o que faço, mas também porque tenho uma total confiança em mim e naquilo que consigo fazer na música. Se assim não fosse, limitar-me-ia a brincar com o violão em casa, de vez em quando. Por outro lado, em certas ocasiões, não posso permitir que uma momentânea falta de empenho ou dedicação de alguém possa por em causa todo um trabalho desenvolvido. Infelizmente, isso leva a que, por hábito, tenha de fazer a mais o que outros fazem a menos, de modo a compensar esta desigual divisão de tarefas.

Portanto, o que o faz aceitar abraçar tantos projectos musicais é o seu grande amor pela música e um grande sentido de trabalho…
Desconheço, na verdade, quão grande é o meu sentido de trabalho, pois é um dado relativo. [risos] O amor pela música é, realmente, o dínamo fundamental para um desempenho bem sucedido. No entanto, o amor não basta. É vital uma boa organização, tanto do tempo, como dos recursos disponíveis, assim como a consciência das metas e objectivos concretos a que me proponho, em cada caso.
Por outro lado, uma das principais razões pelas quais aceito, com muito gosto, a participação em diversos projectos musicais e, especialmente, quando estes têm um carácter muito distinto uns em relação aos outros, é o desejo de aprender. Percebi isso há muito tempo, cada vez que me cruzava com novos grupos e/ou músicos. Por mais que aprendamos, nunca é suficiente, e certamente há sempre algo novo a conhecer. Não tem que ser, necessariamente, conhecimento técnico na interpretação de um instrumento. Muitas vezes são coisas pequenas e simples, como saber enrolar correctamente um cabo, porque, afinal, até para isso existe uma maneira correcta! [risos] Falo também dos métodos de trabalho e organização dos vários grupos, dos processos de composição, etc. Tudo isso enriquece-nos e contribui para um crescimento como músicos.
Outra razão também se prende com o meu desejo de compreender, na sua essência, as diferentes vertentes musicais com que tenho lidado. É um desafio que adoro e, também, um grande factor de desenvolvimento pessoal como músico e apreciador desta.

Em algum momento sente que algum dos seus projectos fica a perder por falta de tempo para lhe dar atenção?
A problemática da falta de tempo que posso dispensar a todos os projectos tem sido uma constante. Quem trabalha comigo sabe isso muito bem. Exemplos não faltam: a “Lacerate” dos Askara foi gravada somente oito meses após o debut. A tão esperada demo dos Nableena será lançada em Outono e não inícios do Verão, como estava previsto. Os cerca de seis temas de Son Of Awacha, prontos a serem gravados há seis meses, ainda “não viram a luz do dia”. Por este mesmo motivo, não só se revela complicado assegurar a presença em todos os ensaios dos Stampkase, mas também comparecer regularmente aos ensaios e actuações da Tuna Académica da Universidade dos Açores, onde canto no naipe de tenores e toco bandolim.
Não é fácil fazer os preparativos de equipamento e mixagem sábado de manhã para o ensaio dos Askara na segunda-feira, indo logo para o ensaio da TAUA, para imediatamente ir à Ribeira Grande ensaiar com Nableena e, já a noite, chegar a casa, continuando a trabalhar nas gravações ou, em alternativa, ir actuar com a tuna que, a nível de exigência musical, é tudo menos brincadeira. Isto tudo sem hora de almoço e sabendo do ensaio, no domingo, nas Furnas… Repentinamente, ocorre-me o facto de ser ainda aluno da universidade, como se fosse já um extra às actividades musicais! [risos] Recentemente, tive de tomar decisões difíceis de me ausentar temporariamente da música, pois os estudos têm sofrido. Felizmente, o pessoal tem sido impecável e flexível, nesse sentido, o que tem ajudado imenso.
No último ano, quase que me esqueço do que é simplesmente ficar no sofá a ver televisão ou fazer algo trivial como isso. Muitas pessoas que me conhecem é que não se apercebem disso, pois não sou daqueles que passam o tempo todo a queixar-se.

Acha que, por exemplo, o que algumas pessoas têm a menos você tem a mais numa terra em que é preciso esforço redobrado para se atingir resultados substanciais? Acha que deve servir de exemplo?
Em primeiro lugar, dificilmente me vejo na condição de servir de exemplo, seja para quem for. Quem precisar de modelos para seguir que vá à Igreja ou então que conheça de perto os mui nobres músicos da Orquestra Filarmónica de Ponta Delgada, que estes sim, são grandes músicos, com muito para ensinar!
Na verdade, o que atingi até hoje, na música, se deve ao empenho contínuo, à seriedade no trabalho, ao grande nível de exigência comigo mesmo e para com os meus colegas, à fé em mim próprio e nas minhas capacidades e, por fim, ao liberalismo ou flexibilidade na maneira de encarar todos e quaisquer géneros musicais. Impor limites na apreciação da música, especialmente nova e pouco familiar, é meio caminho andado para matar a fonte essencial da criatividade. Não acredito nas capacidades inatas; aquilo que somos e conseguimos é resultado da nossa dedicação e educação [na música, entenda-se], e esta não cabe aos amigos ou à televisão, mas sim a nós próprios.
Penso que o elemento-chave é racionalizar o tempo, os recursos e as energias, para alcançar um objectivo do modo mais eficaz possível. É preciso não dispersar e saber muito bem que método de trabalho tem de ser adoptado para cada situação. Isto porque, quando queremos atingir resultados substanciais, é crucial ter a postura adequada às metas propostas. Cada banda é diferente e assim deve ser o seu método, particular.
Ainda na sequência disso, quando não se trata de projectos a solo, é imperativo reunir uma equipa capaz e experiente. Penso que bandas com objectivos sérios têm de ser, em primeiro lugar, equipas de trabalho bem organizadas. O resto vem por acréscimo. Se houver grande amizade, melhor ainda, mas com certeza que não é a amizade que produz resultados finais convincentes, mas sim a capacidade de trabalho em grupo e para o grupo. Infelizmente, sempre que num conjunto há pelo menos um elemento com prestações abaixo dos outros, é como um cancro num organismo. Força os outros a fazer um esforço redobrado e leva a um progressivo desgaste geral. Daí ser necessário trabalhar numa equipa equilibrada e dedicada, em que cada um é competente não só na sua própria tarefa, mas também é capaz de perspectivar as necessidades do todo. É com bastante segurança que posso afirmar que, nos últimos tempos, tenho trabalhado com pessoal firme e capaz, embora acredite que é sempre possível fazer mais e melhor. Como diz o ditado: “Junta-te aos bons e serás melhor que eles, junta-te aos maus e serás pior que eles”.
Por fim, a exigência é extremamente importante. Falo, em primeiro lugar, da exigência comigo próprio. Não gosto de queixas ou lamentações sobre o cansaço ou sobre o longo tempo de ensaio ou prática de tocar um instrumento. Sou grande opositor da postura do “esforço mínimo”. Nunca é demais rever, mais uma vez, uma certa parte de um tema ou, por exemplo, aperfeiçoar uma escala ou uma linha vocal. Obviamente, tem de haver o bom senso de equilibrar as tarefas, para não chegar a situações anormais e extremas, mas não vejo, realmente, com bons olhos o “suficiente” e o “satisfatório”. Todavia, sei que isso nem sempre garante que os resultados sejam excelentes. Lembro-me constantemente da famosa frase do general russo Alexandr Suvorov, responsável pela derrota das tropas napoleónicas: “Quanto mais difícil for a estudar, mais fácil será a combater”. Isto aplica-se especialmente às preparações para concertos.
Já por falar no trabalho em bandas, e reafirmando, mais uma vez, a qualidade das pessoas com quem toco, tendo a esperar dos outros um empenho igual ao meu. No caso dos Nableena, estou contente por termos uma equipa coesa e experiente. No entanto, a falta de tempo revela-se, muitas vezes, obvia, o que dificulta as coisas. Acho que devemos ser tão exigentes com os outros como somos connosco próprios, mas nunca esperar dos outros mais do que aquilo que fazemos. Frequentemente, tenho noção de contrariar uma das facetas intrínsecas à cultura portuguesa, o que torna o assunto delicado, mas aí não há realmente muita coisa a fazer, a não ser aceitar.

Como se sente ao tocar estilos tão diversos? É difícil repartir-se em termos emocionais para conseguir envolver-se naquilo que está a tocar?
Sinto-me muito bem! [risos] Na verdade, qualquer variante estilística em que me envolvo é abordada apenas com uma única perspectiva, – é música! Acredito que música mais música não há. Não, não vou dizer, como é costume, “excepção feita à música popular”. Isto pela simples razão de que até mesmo este tipo de música tem uma clara origem na música tradicional, da qual temos uma grande dádiva, chamada “refrão”! Temos também aquelas progressões do baixo, tão simples e tão óbvias, mas que, devidamente aplicadas, podem tornar um tema de Metal agressivo e aparentemente caótico, num mais perceptível e “apresentável”. [risos] Portanto, tudo isto são coisas que não devem ser ignoradas e que podem coexistir ou marcar presença noutros estilos, por mais irrealizável que isso possa parecer à primeira vista!
Respondendo à segunda pergunta, não é difícil repartir-me emocionalmente. Exactamente da mesma forma que as pessoas se repartem emocionalmente quando estão na missa, quando estão com a namorada, quando visitam os avozinhos ou quando encontram, de repente, um grande amigo de longa data. Provavelmente na música acontece o mesmo.

Estabelece hierarquias ou prioridades no “catálogo” de bandas de que faz parte?
Esta seria, realmente, uma questão delicada e problemática, caso me encontrasse envolvido em projectos por outra razão sem ser a afeição e a estima que sinto por cada um deles. Todos diferentes, mas todos iguais. É verdade também que cada projecto está num patamar próprio, com avanços diferentes e também, em certos momentos, uns exigem maior atenção que outros, o que é natural. Portanto, se há alguma hierarquia, esta é temporária, consoante as épocas e a realização de certos objectivos a curto prazo.

Contudo, imagino que os Nableena lhe despertem especial sentimento, correcto?
Desta vez acertaste! Fica uma cerveja por minha conta! [risos] Sim, embora o sentimento seja tão especial como em relação aos outros projectos, Nableena acaba por ser a banda central. Entre muitas razões para tal, posso salientar o facto de o seu crescimento se identificar com o meu crescimento pessoal e musical, assim como o tempo de existência da banda, caminhando já para os seus seis anos. É uma parte tão integrante de mim próprio que se tornam em duas realidades indistinguíveis. Penso que o Gualter, baterista da banda, também sente o mesmo, pois somos, presentemente, os únicos dois membros fundadores da banda e sabemos bem toda a merda que tivemos de ultrapassar, desde o início. Os outros quando chegaram, já tiveram a “papinha feita”, felizmente para eles. [risos]

É precisamente por estes que teremos uma despedida muito especial no próximo dia 21 de Junho, no bar Black Code, em Ponta Delgada, a marcar a sua partida, por uma temporada, para a Rússia. Surpresas são, obviamente, surpresas, mas é-lhe “permitido” adiantar algo do que está reservado para esta noite?
Querendo, obviamente, conservar o factor surpresa deste evento, posso adiantar que, além de planearmos um repertório mais extenso do que o habitual nos nossos concertos, iremos interpretar temas nunca antes tocados e iremos contar com vários músicos e vocalistas convidados, alguns dos quais sobejamente conhecidos do panorama de peso açoriano.
Antevendo o atraso do lançamento da demo e tendo em conta a minha ausência até meados de Outubro, decidi ser esta a oportunidade perfeita para presentear o pessoal e a própria banda com um evento especial, procurando desta forma compensar aqueles dois factores desfavoráveis.

Afigurando-se um afastamento periódico da terra onde mantém toda a sua vida musical, o que podemos esperar dos seus projectos neste entretanto?

Exceptuando os Stampkase, em que me encontro a título de músico convidado, tanto Son of Awacha, como Askara ou Nableena estarão em modo de espera para reiniciarem as suas respectivas actividades aquando do meu regresso. No que toca à TAUA, esta irá realizar algumas actuações nas várias ilhas dos Açores, durante o Verão. Pensando bem, talvez faça uma visita ao baterista dos Askara para uma jam session lá na China. Sempre são menos uns milhares de quilómetros até à China do que até Portugal… [risos]

Sendo que a gravação do primeiro trabalho dos Nableena está a seu cargo tem planos de a continuar na Rússia?
A conclusão e o lançamento do tão aguardado registo da banda estavam previstos para o mês de Junho do corrente ano. No entanto, por diversas razões, entre as quais a indisponibilidade de tempo, assim como a limitação em alguns recursos técnicos, o atraso tornou-se claro há cerca de dois meses atrás. Assim sendo, o lançamento do registo planeia-se para o Outono ainda deste ano, não sendo possível, por agora, precisar datas concretas.

É-lhe possível adiantar algo do que virá a ser este trabalho? Segundo se conhece da banda, os pormenores são chave. Adivinha-se uma grande produção, eventualmente…
Ao fim de tantos anos de trabalho e da ultrapassagem das dificuldades que qualquer banda desconhecida encontra no inicio do seu percurso, assim como a nossa constante ambição em elevar a fasquia da qualidade cada vez mais, decidimos que esta demo não seria apenas um bom registo áudio dos temas da banda. À semelhança do trabalho exaustivo feito no registo do tema “The Coming of Past”, em que parece não haver mais espaço para desenvolver, melhorar e preencher, mas que também pouco se identifica, actualmente, com a banda, a demo irá condensar todo o potencial dos Nableena até à máxima exaustão. A utilização de instrumentos adicionais será patente e os arranjos, impraticáveis ao vivo, estarão lá em bom peso. A aposta é feita, também, numa boa qualidade sonora. O objectivo é, de facto, presentear o ouvinte não com Nableena, mas com uns “super-Nableena”, seja lá como for que cada um os possa interpretar e o que este termo possa significar. [risos]

O ramo da engenharia de som é algo a que também está ligado há algum tempo. Como ingressou nesta área e como se tem cultivado desde então?
Há muito que o aspecto técnico da esfera do áudio me tem despertado um grande interesse, desde o mundo da alta-fidelidade ou high-end, passando pelo equipamento musical propriamente dito e, por fim, o universo da gravação, do equipamento e dos respectivos processos envolvidos.
Na verdade, iniciei-me neste último por pura necessidade. Cedo compreendi a urgência em gravar o que compunha. Perspectivando sonoridades complexas, com várias vozes de instrumentos e estes mesmos diversos, adquiri o meu primeiro gravador multi-pistas e ai tudo começou.
É certo que os primeiros passos não foram fáceis, no entanto nem pretendia gravações de qualidade. O objectivo era mesmo a composição e a salvaguarda das ideias que me ocorriam. Grande parte dos temas dos Nableena resultou, exactamente, assim. Aquando da presença do André “Caroço” Tavares na banda, podia dar-me ao luxo de compor para as três guitarras, facto que era, por si só, um ex-libris dos Nableena.
Como é sabido, a prática deve andar de mãos dadas com a teoria [belas metáforas…]. [risos] Por esta razão, há longos anos que recorro à literatura específica de produção áudio e consulto inúmeros sítios na Internet, relativamente a esta área. No entanto, quanto mais aprendo, mais me apercebo do pouco que sei. Nunca é demais estudar e aprender, pois este universo de gravação e produção parece não ter limites.
Actualmente, a minha aposta orienta-se, claramente, na qualidade, mas a verdade é que os próprios padrões de qualidade, neste ramo, estão a crescer constantemente, facto que me leva a afirmar que, para alcançar resultados excelentes, nada melhor que um estúdio profissional, com especialistas profissionais da área.

Inclusive, recentemente, foi requisitado para registar temas de outras bandas locais. Como está a decorrer esta experiência?
Tive a oportunidade de gravar Duhkrista, banda do “Krpan”, meu colega nos Askara. Os temas dos Askara são também gravados por mim. Recentemente, recebi o convite para uma gravação singular dos Zymozis. Embora a experiência tenha sido boa, a grave falta de tempo disponível, este ano, impossibilitou a finalização desta gravação, para grande pena minha.

Os trabalhos em questão têm intentos mais sérios? Incluir-se-ão em produtos a lançar para o público?
Não querendo falar em nome dos grupos, deixarei essas questões para os seus membros, até porque algumas datas de que tinha conhecimento parecem sofrer constantes alterações. Gostaria, obviamente, de ver os trabalhos lançados.

Para quem ainda não está suficientemente surpreendido com o seu perfil pessoal, resta ainda dizer que você é estudante de “Ciências Políticas”. Alguma razão especial?
Quero ser ministro da cultura e direccionar 90% do orçamento para eventos de Metal! [risos] Brincadeiras à parte, é, de facto, uma área académica muito interessante e que engloba uma grande diversidade de outras esferas das Ciências Sociais, tais como o Direito, a Filosofia, a Sociologia e a Ciência Política propriamente dita, entre muitas outras. Não querendo adiantar relativamente ao meu futuro percurso profissional, posso afirmar, com muita segurança, que as Ciências Políticas têm proporcionado uma percepção das Relações Internacionais em profundidade e em detalhe incomparavelmente superiores àquilo que, comummente, se vê do mundo político.
Por outro lado, sendo a política uma esfera evidentemente negativa, porque assim ela realmente é, achei interessante conhece-la para compreende-la. É que muitas vezes é preciso conhecermos algo em profundidade para chegarmos à conclusão que, afinal, o pior faz todo o sentido em ser assim ou que a coisa até nem é assim tão má quanto parece, por mais aberrante que esta afirmação possa parecer… [risos]

Encontra alguma cumplicidade entre a música e a política? [risos]
Por mais difícil que seja aceitar tal ideia, é fácil identificar, por vezes, a música com a política, quando a primeira é aproveitada e explorada em função de outros fins. Refiro-me ao uso da música ou de qualquer outra forma de expressão artística em proveito dos corrompidos interesses individuais. Infelizmente, isso é uma realidade que se constata muitas vezes.

Embora esteja radicado em Portugal há nove anos, teve ainda tempo de viver experiências musicais quando vivia na Rússia?
Na realidade, vivo em Portugal há 17 anos, estando há 8 nos Açores. Na Rússia participava, desde que me lembro, em grupos de canto, com digressões na região onde vivia. Eram coisas de putos, mas era fixolas! [risos] Pena não oferecerem bebida, diziam que éramos muito novos… [risos]

Acompanha especialmente o que se passa em termos de música extrema no seu país natal?
O Myspace tem sido um recurso extremamente útil não só para conhecer novos grupos e acompanhar os conhecidos, de todo o mundo, mas também para me encontrar a par do panorama de Metal na Rússia. De facto, o movimento metaleiro neste país é muito forte, com toda a diversidade de vertentes de Metal que é por nós conhecida. Organizam-se grandes eventos e com grande frequência, e as digressões de grupos internacionalmente conhecidos é constante. Várias pessoas, com as quais mantenho um permanente contacto, informam-me de um tal abismal número de concertos de Metal, que é de fazer inveja. Infelizmente, nota-se a tendência de um constante fluxo dos grupos de Metal regionais para as duas maiores cidades da Rússia, – Moscovo e São Petersburgo, pois é aí que conseguem, efectivamente, exercer a actividade musical a um nível verdadeiramente profissional, com todas as condições e recursos intrínsecos às grandes metrópoles.
Um aspecto curioso que me dá uma grande satisfação é o facto de, cada vez mais, os grupos de Metal russos optarem pela língua materna, nas suas vocalizações. Na minha opinião, isto resulta muito bem em termos musicais. Por outro lado, é preciso ter em conta que o grande público-alvo destes grupos é o próprio do país e o das antigas repúblicas da URSS, onde a língua russa é a predominante, criando, desta forma, um vínculo maior e, provavelmente, uma melhor interacção entre os grupos e o público.
Neste contexto, é importante referir que, sendo a Rússia o maior país do mundo pela sua área territorial e com uma população de cerca de 200 milhões de pessoas, o seu mercado para consumo de Metal é auto-suficiente, bastando-se a si próprio. Isto diz respeito não só ao Metal, mas a todos outros géneros musicais. Contrariamente aos grupos europeus, que têm de fazer tournées por vários países fora o próprio de origem, uma tournée pela Rússia basta para atingir, por completo, os mesmos fins das bandas russas, tais como a venda de um determinado número de discos, o financiamento de toda a actividade da banda e a mobilização das “legiões de fãs”, entre outros. É como um mundo à parte, que não precisa do resto.
Por vezes, perguntam-me o porquê de, em Portugal, não se conhecer grandes actores de cinema russos ou de grupos de Metal ou de “cantores Pimba russos”… [risos] Na verdade, tudo isso existe na Rússia tal como no Ocidente, simplesmente não é conhecido cá, pois eles têm mercado mais que suficiente para preencher lá. E isto tendo em conta que um qualquer “Quim Barreiros” ou “Marco Paulo” russo tem 60-80 milhões de donas de casa como adoradoras devotas, ao contrário das, provavelmente, 2-3 milhões, no caso português! [risos] Penso que isto explica tudo. [risos]
De entre muitas, algumas das bandas que me ocorrem de momento são os Abominable Putridity [Grindcore], uma das influências do meu grupo Askara, os Ordalion [Black Metal], os Scrambled Defuncts [Death Metal] ou os Save [Metalcore].

Que experiências traz do exterior que lhe permitam traçar paralelos ou diferenças para com o meio musical açoriano? A diferença de mentalidades, por exemplo, sente-se muito?
Embora as diferenças sejam perceptíveis, o tempo que lá vivi não foi suficiente para poder traçar uma comparação entre os dois meios, a nível musical.

Atendendo ao seu percurso académico, imagino do seu apurado sentido analítico. Não puxando desta vez para a política, que cenário pinta do metal açoriano e que processos acha que devem ser adoptados para que as complicadas contingências açorianas sejam ultrapassadas?
Deixando para futuras reflexões o quão apurado é o meu sentido analítico [risos], relativamente à questão colocada devo demarcar, em primeiro lugar, a problemática mais pertinente e as suas consequências. Falo do isolacionismo geográfico, próprio da região, e portanto um cerrar do mundo artístico açoriano em si mesmo. A “síndrome do umbigo” é por demais perceptível. As iniciativas no campo da música parecem existir apenas em função do microscópico mercado regional que, como bem sabemos, é perfeito para música como hobby, mas nunca para alcançar metas maiores. Frequentemente, tenho a sensação de ser um universo que se vive a si próprio, em que a noção da existência do resto do mundo parece irrelevante. Se bem que isto seja uma atitude natural, não podendo, por isso, ser condenável, trata-se, também, de um entrave para uma profissionalização e actividade das bandas regionais, num nível internacional. Isto no caso de tal ser um verdadeiro objectivo das mesmas.
Na sequência do dito, é importante que as bandas definam, claramente, o objectivo concreto que pretendem atingir e que lhes dá vida. Umas como hobby, embora tal não implique, necessariamente, uma fraca qualidade destes projectos [muitas vezes bem pelo contrário]; outras com vista a um lançamento no mundo da música profissional, que é possível apenas fora dos Açores e, a bem dizer, fora do próprio país.
Neste ponto, importa salientar o simples facto de a actividade musical no género de Metal, nos Açores, simplesmente não poder oferecer o usufruto de um nível de vida minimamente satisfatório, o que aliás não é novidade alguma. Até podermos ver músicos de Metal açorianos a comprar uma casa, pelo menos um carro, proporcionar uma boa educação aos filhos e estarem financeiramente seguros da sua vivência na terceira idade com apenas os rendimentos desta actividade musical nos Açores, não podemos colocar a hipótese de uma profissionalização a tempo inteiro, na região. Esta enumeração até soa de uma forma ridícula, quando sabemos que os ganhos das actividades das bandas de Metal regionais nem sequer cobrem uma fracção dos investimentos em equipamento. Duvido que tal alguma vez venha a acontecer e, portanto, o caminho é só um. Como disse um velho amigo e colega de banda meu, André Tavares, hoje um reconhecido producer em Portugal continental, “isto de tocar em bandas de Metal e irradiar o espírito metaleiro é muito bonito, mas um gajo tem que pensar na vida…”
O perfeito seria poder realizar regularmente tournées, por vários meses, correndo outros países, com vínculo a uma boa empresa discográfica e regressar aos Açores, a casa, para descansar, compor e ganhar força para a próxima tournée. Mas isto seria, como disse, perfeito…
Ainda relativamente a esta primeira problemática e abordando as soluções para a mesma, é essencial a exposição dos trabalhos regionais de Metal ao “exterior”, procurando fazê-lo junto das instituições e entidades, com capacidade de proporcionar um verdadeiro carácter laboral ou profissional para os grupos. A gravação de demos de qualidade é, portanto, o elemento-chave e isto diz respeito não apenas àqueles grupos que ambicionam passar ao “nível seguinte”, mas a todos os outros.
A par disto, é imperativo que os “ses” deixem de fazer parte do léxico dos músicos. O receio de tentar e arriscar é tanto, que o discurso é pautado por condicionalismos. O comodismo fortemente enraizado anula quaisquer iniciativas, nesse sentido. “E se formos para fora e não gostarem de nós? Se estiver lá fora, não vou aguentar estar longe da família. Se eles pagarem todas as despesas, até pensaria no assunto…” Isto são apenas alguns exemplos, embora válidos e que devemos respeitar. No entanto, quando é esta a forma de abordar o assunto, não se pode esperar muito mais que o palco do Coliseu Micaelense. Acho que, no fundo, isso agrada à grande maioria dos músicos de cá. Pois bem, cada um sabe o que realmente quer.
Gostaria também de relembrar o grande exemplo dado pelos Tolerance 0, aquando da sua partida para o estrangeiro. Foi um acto digno de uma banda séria e que demonstrou que é preciso grandes acções, para chegar a grandes resultados. Embora tivessem que regressar algum tempo depois, pois garantias nunca há nestas coisas, acho que foi uma atitude de louvar.
Um aspecto que, a meu ver, se reflecte de uma forma negativa, no mundo do Metal açoriano é o radicalismo e as fortes delimitações, relativamente aos estilos que se ouvem e que se aceitam e, também, que se cultivam. Noto uma forte intransigência, tanto por parte dos próprios músicos metaleiros, como de outros músicos, o que nada tem de bom. Procurando exemplificar isto com casos reais, assiste-se muito a um radicalismo estilístico na “virtual comunidade metaleira açoriana”, em que me deparo com músicos que tocam estilo “X”, que só ouvem musica do estilo “X”, só se interessam por grupos locais que tocam o respectivo estilo e chegam ao ponto de desprezar outras correntes de Metal ou géneros musicais. Isso não é saudável. É essencial saber distinguir o gosto pessoal ou as preferências individuais, da capacidade de apreciação da qualidade de um conjunto musical. É preciso saber dar oportunidade, o que não passa por ouvir uma ou duas faixas momentaneamente, mas sim explorar pelo menos um ou dois álbuns de um grupo que, aparentemente, não nos desperta interesse. Mais uma vez, é uma questão de educação própria, o cultivar musical que apenas nos pode ser proporcionado por nós próprios, se tal desejarmos, verdadeiramente.
Por outro lado, penso que o problema fundamental de alguns projectos regionais de Metal, especialmente aqueles que parecem viver um permanente desalento, deve-se ao simples facto de os seus membros parecerem desperdiçar “energias” em coisas dispensáveis, em tretas que, frequentemente, nem tem nada a ver com a única coisa que realmente importa – a música! É em função da música e para o bem dela, que se deve pautar a atitude e o comportamento, não o contrário. É preciso ser flexível e ter de “engolir sapos” para que a música viva e as coisas funcionem, em vez de usar a música para atingir ambições pessoais ou satisfazer egoísmos próprios.
Parece-me que o mais importante, a música, a arte, é frequentemente usado apenas como pano de fundo, à frente do qual muitos procuram satisfazer seus apetites ou vontades individuais. Uns procuram afirmar-se, com os seus egos pequeninos, perante outros e perante si próprios, parecendo nada mais ter na vida de que se orgulhar, a não ser o título de “fulano da banda XPTO”; outros têm a música como motivo para demonstrar orgulhosamente o seu “museu” de guitarras, que parecem nunca ser em número suficiente; outros ainda acreditam piamente que se encontram no caminho certo para arrebatar corações femininos… Infelizmente, esta lista é infindável. Ocorre-me agora o fenómeno ridículo de alguns demonstrarem uma disparatada ânsia de pertencer a um pseudo-grupo elitista de “pessoal de bandas de Metal”, como se de algum restrito Clube VIP se tratasse, o que não tem cabimento nenhum, pois tal coisa nem sequer existe. Mais uma vez, nada disto é saudável para o Metal.
Tenho de apontar ainda para o triste facto de os músicos não ligados ao Metal demonstrarem um grande desinteresse ou mesmo menosprezo, face ao género. Isso acontece também de uma forma recíproca por parte de muitos metaleiros. Falo disto com conhecimento de facto, pois vejo-me muitas vezes entre dois mundos tão diferentes e ambos tão bonitos, como são o Metal e a música de tuna, sendo que esta última busca uma forte componente de música tradicional, altamente respeitável e muitas vezes exigente. Isto tem sido, sem dúvida, uma das coisas mais amargas que tenho vivido há vários anos. Ao longo dos anos que assisto a isso, fiquei farto de defender cada um perante o outro lado, pois quando as pessoas não querem, não há muita coisa que se possa fazer. E, apesar disso, a TAUA conta, no seu longo historial, com personalidades de Metal altamente respeitáveis, como o Tiago Dias dos Obscenus, João “Jam” Dâmaso dos Gnosticism, Marco Mirco dos Obscenus ou o António Feijó, violinista que fez as digressões com os Obscenus no continente português. Será que isto tem algum significado? Deixo aqui um ponto para reflexão. Felizmente, noto que alguns meus colegas de tuna acabaram por ser suficientemente tolerantes em relação a minha condição de músico de Metal, o que já por si só é um facto agradável.
Acabando numa nota positiva, a verdade é que os Açores e muito principalmente a ilha de São Miguel, vivem um fortíssimo movimento de grupos de Metal e que não é recente. Organizam-se festivais, eventos, contamos com várias entidades que promovem o género, como a SounD(/)ZonE e o Metalicidio, entre outros. Podemos contar também com veteranos devotos ao estilo, como o José F. Andrade e ainda o programa de rádio do João Goulart.
É excelente a organização de eventos que tem trazido grupos tanto de Portugal continental como do estrangeiro, oferecendo uma verdadeira “lufada de ar fresco” ao Metal nos Açores. Saliento também o benéfico facto de podermos contar, em São Miguel, com grupos de Metal das outras ilhas, como tem sido o caso dos Anomally, da Terceira. E por falar nesta ilha, é de louvar a recente organização do Beer Metal Fest, organizada pelo meu amigo e colega Nuno “Terceirence” e pelo bem conhecido Bruno dos Zymozis. Poderia aqui continuar a lista, o que só demonstra que o Metal nos Açores, embora sofra limitações, continua bem vivo e em progressão.

Dia 21 será um dia, imagino, algo sentido para si – embora, naturalmente, a sua partida não seja definitiva. O que diria às pessoas para as convencer a estar presentes neste espectáculo?
Os preparativos para o concerto dos Nableena, no Black Code, tendem a reunir alguns ingredientes para torna-lo “O concerto” do grupo! Há muito que desejava organizar uma actuação que presenteasse o público com a imagem mais completa e uma melhor demonstração do potencial musical dos Nableena, relativamente aos concertos passados. Este evento prenuncia conseguir exactamente isso, embora acredite que a demonstração de todo o real potencial do grupo estará patente na demo.

www.nableena.metalicidio.com
www.myspace.com/nableena

Nuno Costa
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