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Entrevista Melissa Cross

PROFECIAS VOCAIS

Começou a cantar com o sonho de muitos adolescentes – ser uma estrela de rock. As “actuações” frente a um espelho com uma escova de cabelo a servir de microfone rapidamente deram lugar a presenças em coros até ingressar, aos 13 anos, numa escola de artes. A dada altura, inconformada com os ensinamentos vocais clássicos e também apressada por uma lesão vocal, entrou num processo meticuloso de auto-descoberta do mecanismo da voz humana de modo a coaduná-lo com as exigências do canto rock. E são as suas técnicas “mágicas” que fazem, actualmente, da nova-iorquina Melissa Cross a docente de técnica vocal, especialmente dedicada aos registos extremos, mais conhecida do mundo. É professora de vocalistas de algumas das bandas de metal mais afamadas como, por exemplo, Lamb Of God, Slipknot, Arch Enemy e Cradle Of Filth, para além de que tem como clientes actores, repórteres de televisão e rádio, investidores da bolsa do Wall Street e prepara ainda musicais para a Broadway. Lançou o DVD instrucional “The Zen Of Screaming”, em 2005, e em Março último foi editado o seu segundo volume. Numa iniciativa da jovem empresa açoriana Global Point Music os Açores vão ter a honra de receber esta ilustre senhora, em estreia nacional, no próximo dia 22 de Julho [domingo] num seminário a decorrer no Coliseu Micaelense, em Ponta Delgada. Antes da sua chegada a São Miguel a SounD(/)ZonE teve o prazer de conversar com Melissa Cross e viajar pelos meandros da sua apaixonante história de vida...

Se não é indiscrição que idade tem?
[risos] Terrível indiscrição! Tenho 50 anos. Comecei nestas andanças numa banda punk nos anos 70...

Com que idade começou então a frequentar aulas de canto? O impulso foi seu ou foi algo imposto pelos seus pais?
O impulso foi meu, eu sempre fui “implacável” desde pequena. Fui para uma escola especial para estudar artes de palco quando tinha 13 anos. Antes disso cantei num coro, em peças musicais e à frente do espelho com uma escova do cabelo a servir de microfone. [risos]

Como viveu aqueles tempos na escola de canto clássico em que não lhe serviam métodos que se coadunassem com os seus propósitos de cantora rock?
Eu inscrevi-me em aulas de canto porque queria ser a melhor cantora do mundo! Quando comecei a me tornar uma cantora de rock nada do que eu tinha aprendido nas aulas era relevante. Senti-me quase como se tivesse que deitar fora todo o conhecimento que adquiri nas aulas de canto para me tornar uma cantora de rock. Mas mesmo assim continuei a frequenta-las porque eram as únicas disponíveis na altura. Foi muito confuso...

Começou a sentir-se, a partir de certo ponto, irritada pelos métodos conservadores das escolas clássicas?
Comecei a ficar irritada por ter os meus professores a elogiarem-me por cantar perfeitamente arias e ter os produtores de estúdio a “rirem-se” de mim por cantar de uma maneira “falsa”!

Partir em auto-descoberta do mecanismo da voz humana deve ter sido um desafio corajoso! Fale-me deste período.
Ok, trouxeste o saco-cama? [risos] Vou tentar resumir este assunto porque realmente faz parte de um processo que dura uma vida! O climax da minha descoberta aconteceu quando estava a curar uma pequena lesão nas cordas vocais. Decidi não fazer uma cirurgia e, em vez disso, parar de cantar e fazer terapia de discurso durante seis meses. Foi este último que me mostrou como a ressonância da cabeça - o método de ênfase usado no treino vocal tradicional – pode ser usada tanto na fala como no canto. A ressonância da cabeça não tem que incluir vibratos e sustenidos, normalmente usados em ópera e nos musicais tradicionais. A ressonância da cabeça é essencial para uma fala apropriada e quando cantamos rock estamos a falar e a sentir numa escala maior do que quando cantamos. Por isso, eu achei a ligação que faltava. Também dispus de muito tempo a estudar esse mecanismo de uma forma académica. O meu pai era médico, daí que tenha também um fascínio sobre a ciência nos meus genes. Gosto de encontrar a razão para as coisas!

Atendendo a que foi capaz, autonomamente, de descobrir estes métodos inovadores de canto, alguma vez se sentiu “abençoada” ou tocada por alguma “luz” divina? [risos]
[risos] Não se ria! Raramente passa um dia em que eu não me questione como carregava toda esta informação! Eu suspeito que a combinação dos treinos de actor em Inglaterra, dança, música, experiências de gravação e com bandas, aliados à minha paixão pelo rock tornou-se num “pacote abençoado” muitas vezes disfarçado em “embrulhos” feios ao longo do tempo..

Sabemos também que a dada altura decidiu deixar toda a sua vida profissional para trás e perseguir o seu sonho. Falamos de mais um acto muito corajoso!
Sempre fui uma sonhadora. Quis ser uma estrela desde pequenina. No entanto, esta definição foi mudando à medida que ia crescendo. Algumas pessoas acham mais corajoso aceitar o que fazem do que propriamente fazer aquilo que se gosta... Eu acredito que insistir naquilo que amamos fazer é algo muito mais corajoso! Eu era secretária mas, a dada altura, conclui que não queria mais continuar neste mundo a não ser a fazer o que realmente amo, todos os dias. Eu estava disposta a passar fome para fazer o que mais amava, mas primeiro tive que tomar consciência de que merecia estar “apaixonada” todos os dias! Por isso, decidi deixar o meu salário semanal e ir para as estações subterrâneas de metro cantar para as pessoas me darem dinheiro. Eu não comi tão bem durante aqueles três meses, mas foi aí que conheci o meu primeiro aluno e foi nessa altura que consegui um acordo para uma gravação. Continuei a cantar na minha banda, mas quando tive o meu primeiro filho não precisei mais do amor intenso de uma plateia. O meu filho dá-me tudo o que preciso e os meus estudantes dão-me ainda mais. Adoro dar aulas! Tenho um “super” emprego! A maior parte do tempo estava sem dinheiro como cantora rock, mas a partir de certa altura deixei de o estar como professora, excepto no início. Tive que acumular alguns empregos, mas não por muito tempo. O universo recompensou-me rapidamente pela minha coragem em mudar o meu sonho de ser cantora de rock pelo de me tornar professora. Eu adoro cantar! Canto todo o dia como professora e não tenho uma editora para ficar com o meu dinheiro! [risos]

Pode-se então dizer que arriscou tudo pela sua paixão e valeu a pena!
Definitivamente! Mas é bom encontrar o que é que na tua paixão te dá a recompensa. Por exemplo, adoro cantar... Também adoro ser amada. Adoro estabelecer ligações profundas com as pessoas. Existem muitas outras profissões sem ser a de estrela de rock que implicam estas qualidades. Fui “escolhida” para aprender porque gosto muito de o fazer! Eu nunca me portei rigidamente perante a maneira como iria obter a minha recompensa. Manti-me aberta às soluções providenciadas pelo “universo”!

Então é este o sentimento que tentas passar aos teus alunos?
Absolutamente. Ama todos os momentos da tua vida porque ela terminará muito cedo!

Para além deste existe mais algum grande segredo para a tua peculiar forma de ensino?
Sou um psíquico da mente e corpo. Tenho o dom de sentir no meu corpo o que estás a sentir e de perceber como o teu pensamento te leva a fazer o que fazes. Eu traduzo essa informação e corrijo-a se necessário numa linguagem que o teu corpo e mente perceberá. O segredo é a empatia, a qual é um privilégio.

Atrás referiu que como cantora rock estava a maior parte do tempo sem dinheiro... Que aspectos aponta para que as coisas nunca tenham dado certo?
Eu conseguia ir longe, mas apenas o suficiente para “sabotar” os projectos nos momentos finais. Recentemente, cheguei à conclusão que investia tanto em ser uma estrela rock que arruinava sempre tudo por ter medo de falhar. Certifiquei-me de que a razão de eu ter falhado não foi propriamente por não ser boa o suficiente...

E sente-se triste por ter abandonado a sua carreira como músico?
Não. Estou demasiadamente ocupada em ser feliz para me sentir triste![risos]

Apesar de imaginar que tem tantos alunos especiais, podemos dizer que a primeira pessoa que a convidou para ser sua professora tem um lugar especial no seu coração...
Sim, vou recordar-me sempre da Julie a vir ter comigo no metro... Ela também trouxe-me um rosário de Medjugorje, na Bosnia. Ela tinha saído da Bosnia para férias antes dos conflitos. Continuo a guardar este rosário...

Por outro lado, como se sente ao ser professora de muitos dos melhores cantores extremos do mundo? Acredito que seja também grande fã deles...
Sou uma enorme fã de todos os meus alunos, pessoal e profissionalmente. Eu trato todos com igual respeito.

Quais são as principais razões que os vocalistas usam para terem aulas consigo?
A maior parte deles contacta-me para tornar a sua maneira de cantar mais fácil e/ou melhor. Alguns são mandados pelas editoras, outros por amigos ou ainda por terem tido conhecimento do DVD. Nem todos recorrem a mim por terem danos na voz, mas mais para evitarem-nos em tournée.

Existe algum aluno “menos” bem comportado nas suas aulas? Devem gritar muito uns com os outros! [risos]
A maioria deles é muito cortês e bem comportada. Tive apenas um aluno que ficava irritado com facilidade e desatinava com toda a gente, mas eu apenas desatava a rir. Os alunos apenas tinham medo que lhes dissessem que não tinham jeito nenhum! [risos]

Consegue apontar algum dos seus alunos que tenha um timbre particularmente especial?
Adoro todos os meus alunos na mesma proporção por razões diferentes. Adoro o Randy Blythe pela dedicação e inteligência, o Corey Taylor pelo espírito e tenacidade, a Angela Gossow pela disciplina e mente para o negócio... Enfim, podia enumerar muitos outros!

Já que fala na Angela Gossow, será que existe algum handicap para uma mulher que use um registo extremo? Aplica algum ensinamento diferente para ela, por exemplo?
Não existe nenhum handicap na voz por se ser do sexo feminino. Têm um instrumento diferente mas igualmente poderoso. Pode ser danificado com mais facilidade mas da mesma forma que um tenor masculino. Ouviram isso rapazes e raparigas? [risos]

Lecciona também actores, profissionais de rádio e muitas outras pessoas que necessitam profissionalmente de técnica de voz. Em que termos os ajuda?
Eu sou uma técnica de voz. Muitas pessoas têm que usar a voz para viverem, não apenas para cantarem e actuarem. Alguns são professores, comerciantes, guias turísticos, publicitários e muito mais. Desde aqueles que apresentam negócios até esposas ciumentas, mães frustradas e condutores raivosos, todos precisam de aprender como tratar e fazer bom uso da sua voz.

Podia entrar num questionário mais técnico mas vou deixar isso para o seu seminário nos Açores. Contudo, pedia-lhe que fizesse uma breve apresentação daquilo em que vai consistir.
Eu quero que toda a gente perceba como a voz funciona, como respirar e colocar a voz apropriadamente tanto para cantar como para falar, como gritar apropriadamente com e sem tom, tratar da voz dentro e fora das tournées e fazer algumas demonstrações e apontar alguns truques de estúdio. Coisas como essas...

Já agora, tem conhecimento de alguma banda de rock/metal dos Açores? Imagino que as hipóteses sejam remotas tanto como foi as de imaginar que algum dia pudesse receber um convite para vir fazer um seminário a um sítio tão recôndito como os Açores!
Fiquei completamente estupefacta quando pesquisei sobre bandas açorianas num site que o Pedro Maia [Global Point] me indicou. Wow! Nunca pensei que a cena aí fosse tão activa. Estou muito surpreendida por haver tanta energia no “paraíso”!

Quais são as suas expectativas para o seminário?
Estou aberta a tudo![risos]

Aproveito para lhe dizer que os Açores vivem neste momento uma espécie de revolução no que diz respeito ao metal. Pessoas como as da Global Point estão a fazer um trabalho honesto e notável para elevar a comunidade de músicos locais após tantos anos de apatia e pouco reconhecimento sobre este estilo de música. Sem dúvida que a sua presença nos Açores vai contribuir muito para o despoletar desta revolução. Gostaria de endereçar algum comentário aos fãs de metal açorianos que durante anos nunca pensaram que eventos destes seriam possíveis na região?
Esta é uma revolução e sinto-me honrada por fazer parte dela. Não estou ciente de nada como isso em mais parte alguma do mundo e tenho grande respeito pelo Pedro Maia e pela Global Point!

O seu segundo DVD – “The Zen Of Screamming 2” – está disponível desde Março. A que são dirigidos os seus conteúdos?
O “The Zen Of Screamming 2” é sobre berros e dirige-se àqueles que completaram os conceitos básicos do primeiro volume. Nele participam os Underoath, Unearth, Arch Enemy, All That Remains, Sick Of It All, Thursday, A Life Once Lost, God Forbid, entre outros. Compareçam no seminário, vão estar lá à venda os dois volumes do DVD.

Por agora creio que é tudo. Quer deixar algum comentário antes de segurar a sua bagagem e partir para as bonitas ilhas dos Açores?
Vais ajudar-me a carregar a bagagem? [risos] Fixe, os DVD’s são muito pesados! Mal posso esperar por chegar aos Açores!

www.melissacross.com
www.globalpoint.pt

Nuno Costa
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