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Entrevista Dico [Pt.1]

VULTO INCANDESCENTE - I

São na maioria dos casos momentos mágicos, autênticos “clicks”, que mudam drasticamente o rumo das nossas vidas. No caso de Eduardo Almeida, mais conhecido por Dico, ex-baterista de bandas como Dinosaur, Sacred Sin ou Powersource e autor de alguns dos blogues mais marcantes do cenário de peso nacional – sendo o maior exemplo o Metal Incandescente – foi um delito de consequências irreversíveis escutar “The Number Of The Beast” dos Iron Maiden, tinha na altura 11 anos, mas que graças a ele deu ao universo metaleiro nacional uma das pessoas mais competentes, dedicadas e respeitáveis que este já conheceu. Hoje “reformado” da actividade mais intensa que o tornou popular, Dico decidiu reunir o seu fundo de catálogo e disponibilizá-lo num MySpace pessoal num atencioso acto de imortalizar e dar a conhecer aos mais novos a obra das bandas por onde passou e revelar também algumas gravações inéditas. Sente-se mais descansado por isso e diz que a prioridade de há algum tempo para cá é "eliminar do seu dia-a-dia tudo o que seja acessório e lhe gera stress desnecessário". Contudo, se muitos lamentaram o seu abandono da música e da escrita, a verdade é que o mesmo garante não ter perdido o gosto pela área e não descura um regresso em outros formatos. De uma pessoa muito interessante e consciente resultou uma imperdível e envolvente conversa que fazemos aqui questão de apresentar na íntegra, em duas partes.

Ainda tem especiais cuidados com “The Number Of The Beast” dos Iron Maiden, o grande culpado por ter ingressado no mundo do Heavy Metal? O vinil está bem conservado? [risos]
[risos] Há muitos anos que não tenho o vinil. Aliás, meses após tê-lo ouvido pela primeira vez já tinha imensas “batatinhas fritas”, porque eu não ouvia outra coisa de manhã à noite. Quem não achou piada nenhuma foi o meu irmão, que comprara o álbum. [risos] O “The Number Of The Beast” foi uma verdadeira revelação para mim. Na época eu tinha 11 anos e era fanático pelos Duran Duran. Imagina a experiência de ouvir um álbum como aquele. Já passaram quase 26 anos desde esse momento mágico... Mais tarde comprei o vinil novamente, dado o mau estado em que ficou o primeiro. Há uns anos adquiri o CD.

É um disco que o marca essencialmente por isso ou é também um dos seus discos preferidos?
É, sem dúvida, um dos meus discos preferidos, mas o facto de ter sido o primeiro álbum de Heavy Metal que alguma vez ouvi confere-lhe um estatuto inigualável. Os Iron Maiden tornaram-se instantaneamente a minha banda favorita. A partir daí, foi um crescendo, passei a ouvir Hard Rock, Heavy Metal e todos os sub-géneros que entretanto surgiram.

Consegue eleger o seu disco preferido de todos os tempos?
Além do “The Number Of The Beast”, “Perpetual Burn”, do Jason Becker. Se existe perfeição, esse disco representa-a. Acho impossível fazer melhor. As composições, as melodias, as harmonias, a execução, a profundidade, a intensidade, os arranjos, tudo é irrepreensível. Arrepio-me, literalmente, a ouvir esse álbum. Transmite-me sensações indescritíveis. Mais do que um génio inimitável, Jason Becker é, para mim, uma entidade quase supra-humana. Idolatro-o. Quando a doença de que padece se tornou pública senti um choque enorme, quase como se de um familiar meu se tratasse. Por outro lado, tenho de referir ainda “Powerslave” [Iron Maiden}, “Beneath The Remains” [Sepultura], “Master Of Puppets” [Metallica] e “Reign In Blood” [Slayer] como sendo alguns dos mais importantes discos da minha vida.

Começou a sua carreira com os Paranóia, em 1988. Ouvindo os seus temas e conferindo a qualidade da gravação apetece-me perguntar o que vos ia no consciente para criarem uma banda tão insana?
[risos] Basicamente, Paranóia foi uma brincadeira de putos doidos com 18 anos que apenas queriam fazer [muito] barulho. Eu já dava uns toques de bateria mas só coisas básicas de Hard Rock, Heavy Metal e Thrash, eram essas as minhas principais influências. O Dave “Mille” ouvia essencialmente Death Metal e Grindcore, e foi isso que nos propusémos fazer. A única regra era não haver regras, daí o nome do projecto. [risos] Aliás, ele nunca havia tocado guitarra ou cantado e eu não tinha técnica ou resistência para tocar algo tão extremo. Portanto, gravámos uns ensaios de improviso, reproduzimos as cassetes, fizemos as capas e começámos a divulgar. Chegámos a ser motivo de notícia no mítico programa “Lança-chamas”, da Rádio Comercial, e até demos entrevistas em fanzines. Mas passámo-nos totalmente quando, num concerto dos franceses Agressor, em 1989, no Rock Rendez Vous, em Lisboa, um grupo de headbangers das Caldas da Rainha se disse fã dos Paranóia, acrescentando que havia formado uma banda com influências nossas. Foi de chorar a rir. [risos] Já no interior do recinto, esses amigos começaram a gritar efusivamente “Paranóia, Paranóia” em direcção a nós! [risos] Incrédulos, pensámos: “Estes gajos são malucos. Como é que é possível”?

A maior parte da sua carreira foi passada com bandas thrash. É o estilo com que se identifica mais?
Sim, em pé de igualdade com o Heavy Metal e Heavy Neo-Clássico. A estrutura do Thrash é algo de verdadeiramente irresistível, ouves um bom riff e sentes a adrenalina fluir. É algo que se apossa de ti e não podes controlar.

Consegue apontar a banda em que lhe deu mais gozo participar?
Dinosaur, sem dúvida. Foi a minha primeira banda a sério. Evoluí imenso com os outros músicos do grupo e retribuí. Foi nos Dinosaur que vivi alguns dos mais intensos momentos da minha vida e concretizei os meus primeiros sonhos. Fico eternamente grato à banda por isso.

Que ambiente se vivia nos finais da década de 80 e início de 90, cujas características entende que já não estão presentes hoje em dia?
Era tudo mais espontâneo mas difícil de alcançar. Muitos álbuns eram obtidos à custa de correspondentes em todo o mundo, era graças ao tape-tradding e aos programas de rádio que os fãs conheciam as bandas. Os concertos nacionais tinham poucas condições mas o público aderia em massa. Para as bandas, suportar os custos dos instrumentos e do aluguer das salas de ensaios era um desafio. O material usado era quase sempre de má qualidade, os produtores e promotores não tinham experiência e tudo se fazia de forma bastante amadora, numa lógica de “desenrascanço”. Os concertos de grandes bandas internacionais aconteciam uma ou duas vezes por ano. A comunhão entre os headbangers e o amor desinteressado à causa eram admiráveis. Era hábito comprar revistas de música, principalmente brasileiras, espanholas e inglesas. Hoje, pelo contrário, os fãs têm acesso imediato e gratuito a um número infindável de álbuns, não sabem o que é aguardar pela chegada no correio do último LP dos Slayer. Podem escolher o espectáculo a que vão assistir na semana “x”, não têm de esperar ansiosamente um ano para verem as suas bandas favoritas. Felizmente o acesso aos instrumentos musicais está facilitado, os músicos possuem ferrametas informáticas profissionais e acessíveis que lhes permitem compor, gravar, misturar e produzir álbuns inteiros em casa. Hoje, o nível qualitativo dos executantes, produtores, editoras e promotores é altamente profissional e, na maior parte dos casos, nada fica a dever àquilo que nos chega do estrangeiro. No entanto, há menos companheirismo e muita gente serve-se do Metal para alcançar objectivos pessoais ou aumentar o seu ego. Grassa o oportunismo. Falta qualidade e empenho aos fãs, que nem se dão ao trabalho de comprar revistas de música, preferindo a informação gratuita (mas nem sempre de qualidade) disponível na Internet. Se roubam constantemente música da Net, porque haveriam de pagar para se manterem informados?

Os Dinosaur foram mesmo um caso sério de sucesso no início dos anos 90. Esse sucesso estendeu-se ao estrangeiro?
Não, nunca promovemos os Dinosaur no estrangeiro, pelo menos enquanto estive no grupo.

Prova da euforia que se vivia em torno da banda foi a invasão de palco por parte do público aquando da vossa actuação no I Concurso de Música Moderna da Câmara Municipal de Lisboa e que motivou a vossa desclassificação... Descreva-nos esse momento.
Era a final do concurso e os Dinosaur representavam as sonoridades mais pesadas. Tocámos num palco enorme, ao ar livre, no Verão. Estavam umas duas mil pessoas a assistir. Quando começámos a actuar um grupo de amigos saltou para o palco, levando consigo alguns fãs anónimos. Instalou-se o caos e fomos obrigados a parar a actuação, recomeçando-a. Nisto perderam-se dois minutos. Cada banda dispunha de meia-hora para tocar, portanto, dois minutos antes de terminarmos o último tema cortaram-nos o som, para descontar o tempo inicialmente perdido. O Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés; a Xana, dos Rádio Macau; e o Luís Fernando, que tocava com a Adelaide Ferreira, faziam parte do júri e foram incansáveis, apoiando-nos desde o início.

Ficaram no fim, de alguma forma, chateados com o público por, eventualmente, vos ter boicotado um percurso mais auspicioso neste concurso? [risos]
Não, de forma alguma. Compreendemos perfeitamente que não foi intencional. Não estávamos destinados a ganhar o concurso.

Ainda foi com os Dinosaur que apareceu o convite para integrarem a compilação em vinil “The Birth Of A Tragedy” com a chancela da MTM Records. Ficaram surpreendidos por surgir um convite de longe e ainda por cima de uma editora com uma certa importância?
Acima de tudo ficámos felizes. O convite veio na sequência do sucesso alcançado com a demo-tape e tudo o que dela resultou – o concurso de Música Moderna, as aparições na TV, a divulgação massiva, os concertos, etc. Dada a exposição que a banda obteve na altura, foi uma opção lógica para a editora.

Como foi a abordagem deles?
Não me recordo, até porque foram outros elementos da banda que estiveram envolvidos no processo.

O que se sucedeu para que tenha abandonado a banda numa altura em que até se preparavam para gravar a sua segunda demo?
Para chegar ainda mais longe, o grupo carecia de uma postura mais profissional a todos os níveis – na sala de ensaios, no estúdio, na promoção do trabalho realizado, nos concertos. Necessitávamos de mais disciplina e rigor. Por outro lado, havia algum desiquilíbrio na partilha das tarefas promocionais, faltava o empenho de todos. Esforcei-me para que se verificassem as alterações necessárias, mas não consegui.

Em 1992, e após as experiências com os Estalada Total e Orion Belt, recebe o convite para tocar com os Sacred Sin. Pelo estatuto que a banda atingiu, considera que esta foi a sua experiência mais marcante enquanto baterista?
Sim, pois os Sacred Sin me permitiram-me dar o passo lógico na minha carreira: a gravação de um álbum e o reconhecimento além-fronteiras. Com os Dinosaur apenas havia gravado a demo-tape e o tema incluído na compilação “The Birth Of A Tragedy”, registos que não foram promovidos no estrangeiro. Portanto, o ingresso nos Sacred Sin foi um passo de gigante na minha carreira mas que eu não soube aproveitar devido a limitações técnicas e à fase conturbada que atravessava em termos pessoais. No entanto, como disse anteriormente, os Dinosaur foram “o meu primeiro amor”.

Gravou o álbum “Darkside” com os Sacred Sin com o handicap de ter em estúdio uma bateria electrónica de má qualidade e praticamente não conhecer os temas. Viveram-se momentos “dramáticos” durante as 19 horas que passou a gravar o álbum? Não havia possibilidade de adiar a gravação?
Não, dado que tínhamos disponíveis “x” semanas para completar o álbum e o estúdio já se encontrava reservado para os meses seguintes. Quando cheguei ao estúdio e soube que teria de gravar numa bateria electrónica passei-me. Odeio kits electrónicos, o charme e a força de uma bateria acústica são inigualáveis. Por melhor que seja uma bateria electrónica, o som que dela retiramos é sempre artificial, plástico, sem magia. E isso nota-se, demasiado, no “Darkside”. Em poucas horas tive que ensaiar vários temas que mal conhecia e adaptar-me a uma geringonça repugnante. É completamente diferente tocar numa bateria acústica ou numa electrónica, tens que educar os movimentos e adaptar a tua forma de tocar. Portanto, não tive margem para trabalhar melhor os temas, fazer os breaks e arranjos de que a minha prestação tanto carece no álbum. Além disso, começara a usar dois bombos há escassos dois meses, portanto não tive tempo de aperfeiçoar a minha técnica para tocar um género tão exigente como o Death Metal. Por fim, o stress de ter que gravar a bateria dos 13 temas numa só sessão – que, como dizes, se prolongou por 19 horas seguidas –, acrescido da fase pessoal conturbada que atravessava na altura retirou muito sentimento e espontaneidade ao disco. Não me orgulho do meu trabalho no “Darkside”. Eu não estava preparado, a nível técnico e psicológico, para gravar um álbum.

Nesta altura já era um baterista de referência na área do Metal em Portugal. Três anos entre os dez melhores bateristas nacionais, segundo votações publicadas em revistas da especialidade, significava muito para si?
Essas classificações enchem de orgulho qualquer músico, em especial quando sucedem pela primeira vez. Havia bateristas mais merecedores de figurarem nos 10 melhores do que eu, mas não foi essa a vontade dos fãs, portanto não me queixei. [risos]

Como baterista como se descreve?
Mediano. Eu tocava muito rápido e forte [características que me valeram a alcunha de “A Besta”], mas tinha limitações nos breaks, por exemplo. Além disso, fez-me falta tocar com metrónomo. Podia tê-lo feito, mas a organização e disciplina que o metrónomo exige chocam com a minha tradicional impaciência. [risos] Preferia praticar outro tipo de exercícios.

Como se instruiu nessa arte?
Fazia muitos exercícios. Tive aulas de bateria aos 15 e aos 17 anos. Antes de comprar o primeiro kit praticava nas costas dos sofás, na cama ou nas caixas tupperware. [risos] Já com a bateria em casa passava horas, quase diariamente, a praticar os exercícios ensinados pelo professor e outros que eu próprio criava ou lia nas revistas da especialidade. Portanto, eu era organizado e disciplinado na minha formação musical, exigia muito de mim próprio, mas não o suficiente para tocar com metrónomo ou aprender teoria.

Tem algum baterista como ídolo?
Sem dúvida. Mike Portnoy [Dream Theater], Atama Anur [que gravou“Perpetual Burn”, do Jason Becker, entre muitos outros], Ian Paice [Deep Purple], Vinnie Appice [ex-Dio etc.], Deen Castronovo [que gravou com Marty Friedman], Nicko McBrain [Iron Maiden], Dave Lombardo [Slayer, ex-Grip Inc.], Paul Bostaph [Exodus, ex-Slayer e Forbidden], Pete Sandoval [Morbid Angel, Terrorizer] e Lars Ulrich [Metallica].

Em 1995 abandona a música após o fim dos Powersource. Essa retirada foi uma consequência da banda ter acabado ou realmente começou a perder alento para tocar?
Fartei-me. Deixei de ter forças e vontade de remar contra a maré. Queria viver da música, mas era o único na banda a esforçar-me para isso. A indisciplina nos ensaios tornara-se insuportável, chegámos ao ponto de não conseguirmos tocar a sério mais de uma hora. Acabei por despedir os dois guitarristas e continuei com o baixista a procurar outros músicos, mas percebi que não valia a pena o esforço e enterrei a banda. Além disso, já tinha 24 anos, estava no primeiro ano da faculdade e a família pressionava-me para terminar os estudos e arranjar um emprego. Essas tornaram-se as minhas prioridades.

Acredito que tenha sido uma decisão dura de se tomar, ainda para mais quando vendeu o seu kit…
Acredita que não. Na época estava tão desiludido que foi uma decisão natural e inevitável, mas necessária. Os meus amigos ficaram atónitos com a minha frieza, nem acreditavam quando eu dizia não ter saudades de tocar. De facto, não tinha. Muitos consideraram-me um traidor.

Depois disso ainda voltou a relacionar-se com a música através de um projecto a solo pelo qual lançou a demo “Tales From The Dark Side”, em 1999. Desta vez o conceito foi bem diferente, mais experimental. Ainda para mais temo-lo aqui a tocar piano, certo? Fale-nos dessa experiência.
Não toquei piano, nem sei tocar. Gravei os instrumentos dessa demo com um software profissional então designado Cakewalk, hoje conhecido como Sonar. Se eu tocasse piano dessa forma estaria milionário, de certeza. [risos] Como não sei teoria musical, deixei-me guiar pelo instinto. A música guiou-me, não o contrário.O único pressuposto era fazer algo experimental e soturno. Em apenas dez minutos reuni influências de música clássica, bandas sonoroas de filmes de terror, King Diamond, Mekong Delta e Naked City.

Mas com os Powersource havia gravado os teclados na sua promo tape de 1994. É um instrumento que o seduz?
Nem por isso. Tive um pequeno teclado mas só para experimentar alguns ambientes e arranjos, nunca aprendi a tocar outro instrumento que não fosse a bateria. Quando gravámos a demo eu tinha idealizado uns arranjos simples mas ninguém quis gravar os teclados, por isso tive que ser eu a fazê-lo. [risos]

Aparentemente, não levou muito a sério o seu projecto a solo… Não voltou a criar novos capítulos deste, certo?
Não levei o projecto a sério porque na altura já não tinha ilusões quanto ao sonho de viver da música. Fi-lo por gozo e para testar as minhas capacidades a trabalhar com software de música. Além disso, musicalmente a demo era muito diferente do que qualquer coisa que eu tivesse feito, o que constituiu um desafio acrescido. Mas não está de parte a hipótese de voltar a fazer algo do género, sempre numa perspectiva intimista e sem clichés.

Hoje em dia não sente falta de tocar e criar música?
Por vezes sinto falta de tocar, mas não voltarei a fazê-lo com banda. No que diz respeito a compor, quem sabe...

www.myspace.com/dico_metal_incandescente


Nuno Costa
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