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Entrevista Process Of Guilt

CAMADAS DECEPADAS

“Renounce”, de 2006, representou o lançamento dos Process Of Guilt para a montra visível dos projectos de peso nacionais e o demarcar de uma entidade com tanto de místico como de promissor. Agora, com o sucessor “Erosion”, o grupo de Évora dá um passo de gigante em termos de maturidade e deslinda um caminho forçosamente assente no passado mas com os olhos claramente num futuro independente. Embora a marca doom do grupo continue presente, este pisa agora terrenos "pós", mais sinuosos em termos criativos mas gerando um cômputo mais imprevisível e desafiante. Será isto que assegurará a longevidade de um quarteto cheio de talento para o qual Portugal já parece insuficiente para segurar. Fomos perceber junto de Hugo Santos [guitarrista/vocalista] o verdadeiro simbolismo deste regresso.

Seria óbvio dizer que havia alguma pressão depois do sucesso que foi “Renounce”, mas ao mesmo tempo a consciência de que não são uma banda a precisar de vender milhares de discos, logo com a liberdade para fazer o que quiser. Foi assim que passaram por cima de uma suposta pressão?
Julgo que, para uma banda da nossa dimensão, a questão da pressão não se coloca. Cada vez que criamos ou gravamos algo novo, apenas tentamos satisfazer as nossas próprias expectativas registando-as do melhor modo possível. Representando o próprio acto de gravar uma questão onerosa a vários níveis e dependente, em primeiro plano, das capacidades e disponibilidades de cada membro da banda, quando, de facto, o concretizamos, estamos, apenas, centrados na música e nas nossas performances, não existindo nenhuma pressão que advenha da música que fizemos no passado.

“Erosion” é um disco substancialmente diferente do seu antecessor, diria eu… está tudo de digestão, digamos, mais áspera. Um disco para gente mais adulta?
É, de facto, mais áspero, mas não diria que seja direccionado para gente mais “adulta”. Será um disco para gente que, pelo menos, gosta de música menos imediata e de se deixar envolver pelo feeling e ritmo da mesma, observando-a de um modo mais próximo. A forma como o “Erosion” foi composto, num espaço de tempo reduzido e próximo do momento da gravação, permitiu abordarmos o álbum como um todo e centrarmo-nos no que melhor definia cada música, despindo-a daquilo que considerámos superficial ou adornado, permitindo que todo o álbum evoluísse enquanto sequência de momentos e sensações, onde cada música desempenha uma parte essencial no círculo que todas encerram.

Parece-me também, claramente, que “Erosion” segue um conceito. A erosão de que falam no seu título terá que ver com erosão física, mas, certamente, também psicológica ou social, não é assim?
Há uma linha condutora comum a todos os temas, no entanto, não lhe chamaria um álbum conceptual. A erosão abordada pelos temas insere-se, como referes, num contexto menos linear do que o físico, sendo a temática abordada pelas letras desenvolvida tendo em vista, principalmente, uma complementaridade para com a música, muitas vezes surgindo a partir de um determinado riff.

Liricamente é um disco mais pessoal ou qualquer pessoa na sociedade se pode rever na sua estória?
A definição de erosão física, acaba, por ser aquilo que melhor descreve o que sentimos relativamente à música criada para este álbum, tendo constituído a base que permitiu desenvolver o tema lírico. Sob este ponto de vista, é, de facto, um disco pessoal, mas, por outro lado, julgo que todos os discos o deveriam ser, enquanto reflexo de quem os cria ou da energia que neles foi empenhada. No entanto, o objectivo é, também, que a música seja ouvida por outras pessoas e que elas se possam rever na música, senão do mesmo modo, de um que lhes seja pessoal. É assim que observamos a nossa música e que gostaríamos que a mesma fosse apreciada, de modo a se poderem estabelecer relações para com o que ouvimos, emprestando um pouco da nossa experiência àquilo que escutamos.

Curiosamente, o final “The Circle” indicia a uma continuação, se olharmos para o seu sub-título - “Erosion Part I”. Coincidência, apenas?
Não, trata-se de uma ideia que surgiu no estúdio tendo em vista esse tema. No entanto, ainda não se encontra concluída, pelo que, na altura certa, se esta se concretizar, anunciaremos a sua continuação.

Resumir os Process Of Guilt a uma banda de doom ou death metal será, neste momento, redutor. Concordas?
Concordo que os rótulos são muitas vezes necessários para a definição do próprio público ou “ambiente” de cada banda. Por outro lado, ultrapassar os rótulos e designações acaba por ser um desafio para as próprias bandas se reinventarem, ainda que, por vezes, dentro do mesmo espectro, pelo que, normalmente, os géneros acabam por ser redutores perante muita música que, actualmente, é criada. Desta perspectiva o subgénero doom/death é algo com que não nos identificamos. Foi, de facto, uma base inicial para a nossa progressão, no entanto, se olharmos para as bandas que marcaram este movimento assistimos, maioritariamente, a uma estagnação e repetição de ideias que esgotam este estilo. No que respeita à nossa música e ao que fizemos no “Erosion”, julgo termos poucos traços deste subgénero. O doom, por outro lado, é algo que está e sempre vai estar presente na nossa música mas acompanhado de outras influências que correspondem à evolução que a nossa percepção, enquanto ouvintes, também vai registando, como sucede com algum sludge, algum industrial ou mesmo alguma música étnica ou de cariz mais ambiental.

Sentiram-se influenciados por outras sensações, bandas ou trabalhos aquando da concepção de “Erosion”?
Tentámos centrar o processo de composição, basicamente, no feeling proporcionado pelos riffs que iam surgindo, de forma a deles tentarmos extrair aquilo que considerámos ser a sua essência. Hoje, olhando para o momento em que gravámos o “Erosion”, ainda identificamos bem o género de sensações que o rodearam pelo que julgo que a principal influência foi mesmo a música que ia surgindo. É claro que há sempre trabalhos que, consensualmente, apreciamos no seio na banda e que, inconscientemente, podemos ter sempre presentes devido ao número de vezes que os ouvimos. Mas, mesmo estes, são tão diversos que é complicado identificar um em particular.

Foi mais complexo e moroso compor este novo disco? Foi mais pensado ou isso não faz parte de um estilo de música como o vosso, muito sensorial?
Foi mais complexo, nomeadamente devido ao desfazer de alguns temas tendo em vista o resultado final, mas menos moroso. Todos os temas correspondem a um determinado momento em que começámos a pensar o álbum de forma global e a compor para o mesmo. O “Erosion” foi composto e pensado nos meses que antecederam a entrada em estúdio, tendo alguns temas sido completados já em pleno processo de gravação. No entanto, o espírito de experimentação e algumas jam sessions representam algo que é inerente ao nosso processo de criação pelo que o estilo mais sensorial é algo que procuramos e ambicionamos para a nossa música.

Individualmente, como achas que evoluíram do vosso anterior trabalho para este?
Sentimos este trabalho como tendo pouca comparação com o anterior, dado que evoluímos enquanto compositores, executantes e ouvintes e, desse ponto de vista, situamo-nos num espectro algo distante do ponto em que estávamos quando gravámos o anterior registo. O “Renounce” significou o sumário daquilo que tínhamos feito nos anos que antecederam a sua gravação, sendo ainda, naturalmente, muito agarrado às influências que nos rodeavam nessa altura. O “Erosion” significa, actualmente, aquilo que pensamos da música e que mais se aproxima do ponto onde, agora, queremos estar.

Alguma coisa mudou no vosso dia-a-dia depois da projecção que “Renounce” teve?
Quando falamos de projecção temos sempre de relativizar a coisa para a capacidade de projecção que a editora e a banda tiveram na altura do seu lançamento. Houve, de facto, uma boa distribuição e uma apreciação crítica generalizada que permitiu obtermos reacções à nossa música vindas um pouco de todo o globo. No entanto, é algo de muito insuficiente para promover qualquer tipo de alteração no nosso dia-a-dia, exceptuando a hipótese de podermos ter participado em alguns concertos com bandas que admiramos e de passar um pouco mais tempo em frente ao PC a responder a entrevistas e e-mails de apreciadores da nossa música.

Como descreverias os vossos concertos atendendo a que é preciso um particular estado de espírito para os absorver devidamente? Ou seja, sente que, por vezes, as pessoas parecem não entender bem o que se passa em cima do palco?
Normalmente, estamos sempre mais preocupados com a nossa própria performance e feeling procurando com que a nossa interpretação seja sincera e concordante com o registo gravado. No que respeita ao público, preocupamo-nos, sim, com a qualidade do espectáculo, como sucede com a qualidade do som ou do alinhamento. No entanto, julgo que maior parte do público que nos vê já não vai à espera de blastbeats e mosh, estando mais à espera da intensidade que imprimimos ao espectáculo e procurando ter a sua própria experiência enquanto ouvintes.

Por aquilo que vê, acha que a camada mais jovem adepta do Metal, tanto em Portugal como no estrangeiro, busca espectáculos “mais agressivos”? Volto a pegar na questão: uma sonoridade como a dos Process Of Guilt exige algum tipo especial de maturidade?
A camada mais ‘jovem’, por inerência da idade, “pega” primeiro no que é mais imediato, no que está mais disponível comercialmente ou no que é mais “irreverente”. Não nos ajustando nós a nenhuma destas definições, Process of Guilt acaba por estar mais “disponível” para um público underground que procura, dentro dos vários subgéneros do metal e afins, um som com que se identifique de forma mais intensa. A diferença acaba, assim, por residir muito mais nos meios disponíveis para difundir a própria música ou mesmo na curiosidade que cada um tem para ir além do que é mais “fácil” ouvir.

Como estão as coisas a correr no estrangeiro em relação a “Erosion”?
Temos obtido feedback de forma mais consistente com o seu lançamento do que com o de “Renounce”. As reacções têm sido bastante positivas e, como consequência, tivemos, pela primeira vez, os primeiros convites para podermos levar a nossa música ao vivo num ambiente além-fronteiras. O primeiro correspondeu à edição do Madrid Is The Dark deste ano, onde, perante uma sala esgotada, obtivemos, provavelmente, aquela que foi até hoje a melhor reacção à nossa música, estando o segundo agendado para o Dutch Doom Days VIII, em Roterdão, no próximo mês de Outubro.

Como se proporcionou o split-CD que lançaram recentemente com os Caïna?
Desde o início do contacto com a MLI agendámos uma edição num formato mais clássico, de culto, pelo que, após algum brainstorming, Caïna pareceu-nos o nome adequado para formalizarmos essa edição, após o lançamento de “Mourner”. Seguido a um contacto inicial, o Andrew [dos Caïna] revelou-se positivamente interessado no lançamento e, a partir daí, foi, apenas uma questão de decidirmos o ambiente geral de ambos os temas. Contribuímos para este lançamento com uma versão do tema “(But) I Am Still” dos This Empty Flow e penso que, apesar dos atrasos verificados na disponibilização deste 10'', continua a ser um lançamento bastante válido e com uma ambiência particular, proporcionada, conjuntamente, pelos temas de ambas as bandas.

Será que isso vos abrirá portas para uma digressão por terras de Sua Majestade? Como estão de agenda para os próximos tempos?
Duvido que tal aconteça, pelo menos, directamente relacionado com este split, até porque, apenas recentemente, o Andrew transportou a música dos Caïna para um ambiente ao vivo, dado a banda tratar-se, principalmente, de um projecto individual. Quanto à nossa agenda para os próximos tempos, para além dos concertos atrás referidos, temos apenas a acrescentar mais uma data em Évora no festival Ghouls Night Out II que simbolizará a primeira actuação na nossa cidade natal desde há mais de dois anos. No que respeita a 2010, certamente almejamos levar a nossa música a um maior número de locais e eventos, pelo que vamos ver o que o novo ano nos oferece em termos de concertos ao vivo.

Para terminar, pedia-te só que nos esclarecesses a sua relação e a do Gonçalo com os [Before The Rain]. A partir de quando começam e deixam de fazer parte do grupo? O vosso abandono teve alguma coisa que ver com o excesso de compromissos musicais? Tiveram que optar?
Fiz parte de [Before The Rain] entre 2003 e 2007, sendo que o Gonçalo se juntou à banda em 2005. No final de 2007, principalmente por falta de tempo, deixámos de pertencer à banda. Falando apenas por mim tratou-se de uma decisão para, em termos musicais, me concentrar totalmente nos Process of Guilt.

www.processofguilt.com
www.myspace.com/processofguilt

Nuno Costa
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